Preço da passagem: zero ou congelamento?

Neste artigo, o economista Paulo Sandroni propõe o congelamento de tarifas para dar tempo de se estudar as alternativas de quem paga a conta. É simples zerar, só colocar no papel e decretar.  

Mas, no day after de saber quem paga a conta, é que o discurso, na prática, fica outro. Por isso, é sempre mais fácil para os parlamentares, aproveitadores de circunstâncias, fazerem leis concedendo isenções, renúncias fiscais, tarifa zero para esse ou aquele grupo.

A conta deles, entretanto, é outra, representada pelos votos capturados com suas propostas sem números. É o caminho fácil, mas que não vai longe.

Tarifa zero grau

“Zero grau quer dizer congelamento. E é disto que se trata: congelar a tarifa. Deveríamos sugerir à Prefeitura a manutenção desta tarifa – no caso dos ônibus em São Paulo R$ 3,00 – até pelo menos janeiro de 2015.

Sem perder de vista o objetivo estratégico da tarifa zero, agora é hora de encontrar uma solução para evitar que a expansão dos custos nos transportes nos próximos dezoito meses devore recursos destinados a outros setores essenciais como a saúde ou a educação.

A redução da receita decorrente da volta da tarifa para R$ 3,00 (caso de SP) pode ser assimilada sem grandes problemas, pois este montante é inferior a 1% do orçamento municipal. Remanejar esta quantia sem comprometer investimentos não é um bicho de sete cabeças. Mas, o mesmo não pode ser dito do que ocorrerá nos próximos dezoito meses. Nada indica que a inflação voltará ao centro da meta.

No primeiro semestre ela já furou o teto (6,50%) várias vezes. A desvalorização cambial, somada à defasagem no preço do diesel, e a instabilidade da oferta de alimentos poderão resultar em fortes demandas salariais e de custeio do sistema (reajuste dos combustíveis) e sabemos que estes custos representam quase 70% da tarifa (49% salários e 19% combustíveis). Até quando será possível manter o preço do diesel e desonerar de tributos e contribuições todos os elementos que entram na cadeia produtiva dos transportes?

Sabemos também que qualquer tentativa de segurar os salários resultará em paralisações mais ou menos prolongadas em todo o sistema. Pior do que transporte ruim e a ausência de transporte ruim.

Atacar a remuneração dos empresários é um caminho a meu ver pouco promissor. Segundo a Prefeitura – e na falta de outros dados acreditemos nestes – a participação da remuneração do capital (lucro das empresas) tem um impacto na tarifa de 6,27%.

Se isto for reduzido – e sempre considerando que estes dados estejam corretos – o que acontece geralmente é a piora de um serviço que já é muito ruim: ônibus quebrando com maior frequência, paralisações por atraso no pagamento de salários ou do vale refeição etc. As gratuidades também crescerão, pois a população de idosos vem aumentando absoluta e relativamente, e a busca por educação faz expandir também a massa de jovens que estuda e trabalha.

A linha de menor resistência para Prefeitos e Governadores é pedir socorro ao Governo Federal. Renegociação de suas dívidas, aporte de recursos, aumento de limites de endividamento, tudo em nome de manter seus programas e projetos sem reajustar a tarifa.

Deverão pressionar a Presidente Dilma e, um eventual êxito, poderá `equacionar´ momentaneamente o problema. Mas não nos esqueçamos que o Governo Federal também enfrenta sérios problemas de desequilíbrio fiscal e não sabemos até onde dá para esticar a corda. A inflação provoca um desgaste avassalador no prestígio de qualquer político e recentes pesquisas já mostraram que isso está acontecendo com a Presidenta Dilma.

Se as demandas de Prefeitos e Governadores não forem atendidas restará a estes dois caminhos: reduzir programas, projetos, despesas (com resultados duvidosos no que se refere ao corte de gastos) e investimentos, abandonando em parte promessas de campanha, ou aumentar impostos.

Prefeitos e Governadores estão acuados, na defensiva, e ainda que não estivessem dificilmente ousariam propor um passo eleitoralmente suicida como esse.

Uma Proposta

Creio que devemos explorar uma nova abordagem diante da situação excepcional que vivemos. Gostaria de lembrar que parte dos usuários de ônibus e metro já vivem sob o regime de tarifa zero.

Ou melhor, a tarifa tornou-se tão elevada e os locais de moradia de algumas categorias de trabalhadores tão distantes que a única forma de viabilizar um vínculo de emprego é que os patrões paguem o transporte de seus empregados por fora do salário.

É o caso típico das empregadas e empregados domésticos. À raiz de meu artigo inicial (Tarifa Zero) recebi, no blog e no facebook, várias mensagens de pessoas de São Paulo e do Rio de Janeiro (aparentemente de classe média e classe média alta) que ficaram surpresas quando constataram que pagavam pelo transporte de suas empregadas o mesmo valor do IPTU.

Se a tarifa zero existisse, o IPTU poderia aumentar 100% que as despesas dessas famílias permaneceriam as mesmas! Este `brutal´ aumento não faria, a rigor, diferença alguma.

Claro que nem todos se enquadram neste perfil. Mas o mesmo raciocínio poderia ser aplicado a um aumento de tarifa. Se os custos do transporte por ônibus aumentassem digamos 10% nos próximos dezoito meses, para muitas famílias seria indiferente ter que pagar mais 10% – se a tarifa aumentasse na mesma proporção – a seus empregados e/ou dependentes ou pagar mais 10% de IPTU, desde que tais custos não fossem repassados à tarifa mas tivessem que ser pagos aos prestadores do serviço.

Como existem casos e casos, situações e situações, creio que nós cidadãos de São Paulo deveríamos sugerir uma contribuição voluntária – de até 10% digamos – no IPTU para que a tarifa atual permanecesse congelada até janeiro de 2015. Seria a Tarifa Zero Grau. Até lá haveria tempo para discutir com mais calma alternativas inclusive a de reduzir a tarifa até o final de 2016 na direção do `zero absoluto´.

Esta proposta seria de iniciativa de cidadãos, e portanto, caso não obtivesse êxito ou adesões significativas não representaria um desgaste político para o Prefeito de São Paulo. Caso obtivesse, o subsídio não aumentaria e os investimentos (que exigem um prazo de maturação maior) não seriam comprometidos e no médio prazo poderiam resultar em redução de custos e melhorias no sistema.

De fato, se a promessa de construir mais 150 km de corredores for concretizada não há dúvida que a opção pelo transporte público poderá além de acelerar a velocidade de circulação dos ônibus poderá tirar carros da rua e melhorar o trânsito.
Uma palavra final sobre o `voluntário´.

Anos atrás, o então Prefeito de Bogotá, Antanaz Mockus, em ambiente conturbado pela guerrilha, sequestros, delinquência, insatisfação popular, indisciplina social, fez uma proposta semelhante. Não era exclusivamente para financiar a tarifa; quem contribuía indicava onde queria que o dinheiro fosse aplicado. A receita do imposto predial local acusou um aumento de cerca de 10%.

Alguns, inclusive pessoas próximas que me ouviram numa entrevista consideram muito difícil de ser aceita pois todos acham que já pagam muito e o governo não retorna com serviços, nem corta gastos ou elimina desperdícios. Talvez tenham razão. Mas uma tentativa talvez valha a pena. Pode ser que os resultados sejam surpreendentes.

Artigo publicado orginalmente no blog sandroni.com.br

Paulo Sandroni (São Paulo, 1939) é um economista brasileiro. Graduado pela FEA-USP em 1964, é mestre em Economia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Entre 1965 e 1969, foi professor da Faculdade de Economia da PUC-SP e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro. No início dos anos 1970, trabalhou na Universidade do Chile e na Universidade de Los Andes, em Bogotá. Atualmente é professor da Escola de Administração de Empresas , da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e da Faculdade de Economia e Administração da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É fellow do Lincoln Institute of Land Policy, um think tank de Cambridge (Massachusetts) que se dedica a questões relacionadas com a tributação, uso e regulação do solo.

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