Hospital Escola São Francisco de Assis ou Crônica de um descaso
Em maio deste ano, publicamos uma série de reportagens sobre o Hospital Escola São Francisco de Assis (HESFA), e salientamos sua importância ímpar: ela é um centro de saúde, de educação e, tombada pelo IPHAN, constitui um patrimônio cultural da cidade e do país.
Noticiamos as dificuldades pelas quais a instituição passava, não só no que dizia respeito ao reduzido número de funcionários e à falta de equipamentos – sobretudo para a atividade didática – e, principalmente, à precariedade de suas instalações.
Contudo, de lá para cá, nada mudou e o HESFA continua se destacando como o emblema do descaso por parte do Município e da União.
HESFA, história e atuação respeitáveis
Em qualquer lugar do mundo civilizado, uma instituição como o HESFA seria objeto de uma atenção diferenciada. Assim, o descaso frente a sua importância só pode provocar uma grande perplexidade. Se não, vejamos.
O HESFA é uma instituição secular do Rio. Originalmente denominado Asylo da Mendicidade, foi inaugurado em 10 de julho de 1879 por D. Pedro II e a Família Imperial.
Misto de abrigo e central de atendimento aos pobres da Corte, o asilo passou a ser patrimônio da Prefeitura do Distrito Federal em 1892, e seu nome foi mudado para Asilo São Francisco de Assis.
Entre 1892 e 1894, o asilo foi ampliado e seu perfil de atendimento modificado para atender uma clientela diferenciada, com capacidade para 400 leitos.
Em dezembro de 1920, a União retomou o prédio, transformando-o em Hospital Geral de Assistência do Departamento Nacional de Saúde Pública, sob a direção do cientista e médico sanitarista Carlos Chagas (1878-1934). Após outras reformas, as instalações foram reinauguradas, em 7 de novembro de 1922, pelo presidente Epitácio com novo nome: Hospital Escola São Francisco de Assis.
Pertencendo ao patrimônio da Universidade do Brasil, o hospital manteve-se voltado para a medicinal social, embora a decadência do patrimônio histórico que representava se acentuasse. Em 1978, suas instalações foram desativadas e os corpos discente, docente e funcional transferiram-se para o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, recém-inaugurado na Ilha do Fundão.
Em fevereiro de 1988, após chuvas torrenciais que atingiram a cidade de Janeiro, o HESFA foi reativado para acolher os desabrigados.
Nos anos seguintes, os docentes da UFRJ, influenciados pelo conceito de assistência holística, passaram a orientar o atendimento ambulatorial do hospital para os diversos campos da reabilitação: fonoaudiologia, fisioterapia, acupuntura, estimulação essencial, etc.
Hoje, a instituição atende cerca de 20 mil pacientes por mês, que pertencem a faixa etária que vai dos 3 meses aos 80 anos de idade.
O HESFA também oferece cursos de enfermagem e, a partir de agosto de 1997, passou a ser referência nacional na pesquisa e tratamento de pessoas de baixa renda portadoras do vírus HIV.
A restauração do prédio
Mas nada disso parece contar.
Desde 2004, o HESFA vem lutando para obter recursos para as obras de restauração de suas instalações. Como ocorre com o Museu Nacional, a estrutura fortemente complexa da UFRJ não facilita o processo.
Em 16/02/2011, o portal do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) divulgou a liberação de R$ 2 milhões para a recuperação do edifício do Hospital.
O projeto previa a recuperação total das edificações mais antigas — as 7 tombadas —, e a recomposição de toda estrutura de sustentação comprometida, incluindo a das varandas dos prédios 3 e 7, que se encontravam interditadas. Além disso, estavam previstos serviços de descupinização, pintura e limpeza, substituição do piso, recolocação das telhas e reestruturação da rede elétrica, que apresentavam riscos de curto-circuito.
Contudo – segundo informou, recentemente, a arquiteta Dalva de Castro M. Silva à Comissão Especial de Patrimônio Cultural (CEPC) da CMRJ, presidida pela vereadora Sonia Rabello –, os problemas de licitações e o próprio andamento dos processos administrativos têm acarretado um grande atraso no início das obras.
Por outro lado, os técnicos do IPHAN, que vistoriaram o hospital, não se dispuseram a informar a tipologia de materiais adequados à restauração, limitando-se a condenar aquilo que consideravam incorreto.
Enquanto isso, quase todos os blocos originais do edifício encontram-se em estado precário de conservação, sendo que alguns dentre eles estão interditados. Há indícios de obras de recuperação em um dos blocos, e de acordo com relatado à CEPC-CMRJ, a execução de um plano-diretor de recuperação de todo o conjunto, embora lenta, está em andamento.
O que dizem os responsáveis
Na resposta ao Requerimento de Informações encaminhado pela CEPC-CMRJ à UFRJ, o engenheiro Marcio Escobar Conforte, diretor do Escritório Técnico da Universidade, explicou que, no que dizia respeito ao projeto e ao planejamento, o processo de restauro do conjunto arquitetônico do HESFA foi iniciado em 2005.
Alegou a complexidade dos processos administrativos concernentes ao processo de restauro, uma vez que o custo das obras é elevado, perfazendo cerca de mais de R$ 30 milhões, e que, em 2011, serão liberados R$ 590.000,00 — parte do patrocínio de R$ 2 milhões, aprovado pela BNDES em fevereiro deste ano. Com essa verba inicial serão demolidas partes do prédio 7, que não é histórico, e será processada a restauração emergencial de algumas coberturas.
O diretor técnico informou, ainda, que um processo licitatório orçado em cerca de R$ 3,2 milhões, de recursos próprios da UFRJ, visa realizar mais obras no conjunto. Por fim, indicou como prazo final para as obras o ano de 2016.
A nossa pergunta
Uma instituição centenária em ruínas, patrimônio cultural do país, continua invisível para os poderes públicos municipal e federal, mesmo situando-se numa área prioritária de revitalização da cidade, que deve estar apresentável e estalando de nova para os megaeventos que vêm pela frente.
Pode-se, “argumentar”, que o HESFA pertence à União e que não cabe ao município arcar com os custos do que não lhe pertence. Mas o argumento não se sustenta diante do serviço de peso que a instituição presta à cidade.
Mesmo assim, o executivo municipal prefere destinar R$ 15 milhões para as chaves da FIFA, mais R$ 2 milhões para um evento da bilionária Athena Onassis.
O executivo municipal não sabe, ou prefere fingir que não sabe, que a história do Rio não começa com a Transoeste.
E, por esta e por muitas outras, fica a pergunta: como é que os nossos governantes têm a ousadia de candidatar a cidade como bem cultural da humanidade se de seus bens não tomam conhecimento, ou melhor, se relegam seus bens culturais e históricos ao total descaso?