O Jardim Botânico no STF?

Noticiou-se na mídia que a Relatora da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Direitos de Moradia teria enviado ao Ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal federal (STF), carta na qual pede a “revisão do caso”, reiterando “sua preocupação quanto as possíveis violações do direito à moradia adequada na comunidade, no bairro do Jardim Botânico, já que há um clima de remoção iminente, com base nas leis ambientais.”

Não sei até que ponto procedem as informações. Porém, pelo sim pelo não, impossível deixar de, mais uma vez, posicionar-me sobre o assunto.

Senão vejamos:

A retirada das mais de 500 famílias da área do Jardim Botânico foi a única a solução encontrada para o conflito de interesses lá existente há décadas. E, nesse caso, não se trata de pressupor que existe um direito bom e outro mal. Ambos são bons direitos.

Porém ali, no Jardim Botânico, são incompatíveis entre si. E essa foi a decisão possível, após um enorme esforço conjunto de inúmeros órgãos federais que não conseguiram outra solução senão essa.

Não parece razoável, a essa altura, voltar a se discutir se o direito de moradia se sobrepõe, juridicamente, e em qualquer circunstância, a qualquer outro direito constitucionalmente garantido.

Longo debate – Essa questão já foi exaustivamente esmiuçada por várias instâncias judiciais, nos mais de 200 processos transitados em julgado na Justiça Federal, e que lá tramitaram durante quase 30 anos; no Tribunal de Contas da União, durante mais de três anos; em grupos de trabalho no Governo Federal, onde tinha assento, dentre outros órgãos, a própria Advocacia da União.

A par das opiniões pessoais sobre o assunto, após décadas do problema posto, o que resta é cumprir, da melhor forma possível, a solução exaustivamente debatida, ainda que ela não seja aquela idealmente sonhada por muitos, que supõem que os conflitos possam sempre ser resolvidos sem perdas ou dor.

Urbanização e serviços públicos

A regularização fundiária, bem sabe a Relatora da ONU, não se resume à simples distribuição de títulos de concessão real de uso, títulos esses que equivalem, na prática, à propriedade imobiliária.

A regularização é, antes de tudo, urbanizar a área, com fracionamento da gleba em lotes, arruamento, dotação de infraestrutura básica, iluminação, transporte e livre circulação de veículos, e tudo mais que um área urbanizada requer, com ampla prestação de serviços públicos. E isso, é incompatível com a área do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que é um bem tombado, indivisível, parcialmente bem de uso comum do povo e parte de uso especial, inalienável, unidade de conservação permanente e sem atribuição de qualquer índice construtivo pelas leis urbanísticas do Município do Rio e pelo seu Plano Diretor.

Aliás, é o próprio Plano Diretor do Município que atribui ao Jardim Botânico sua função social de ser uma Unidade de Conservação – um parque público – também no âmbito municipal. Sua finalidade, sua função legal é essa, e não outra.

Portanto, as potenciais violações ao direito de moradia que podem ser perpetradas na área, não serão pelo fato de se destinar, finalmente, o Jardim Botânico  à finalidade que lhe foi destinada por lei, mas pela forma pela qual as autoridades públicas vão realizar o decidido.

E, neste sentido, parece-me não caber que a carta da Relatora da ONU seja dirigida do Excelentíssimo Presidente do STF, Joaquim Barbosa, mas sim ao Ministro das Cidades ou mesmo à Presidente da Republica, ou ao Prefeito do Rio de Janeiro.

Esses sim, autoridades executivas competentes e aptas a tomar as providências necessárias ao provimento de moradia adequada aos ocupantes do Jardim Botânico que se provarem sem recursos para tal.

Aliás, direito de moradia é um anseio não só dos moradores do Jardim Botânico, mas de mais de um milhão de moradores da cidade do Rio, que vivem em moradias insalubres, em locais com pouquíssimo ou nenhum provimento de serviço público adequado.

E as moradias sociais ?

Não obstante isso, nesta mesma cidade do Rio, na Região Portuária, a Caixa Econômica Federal, usando recursos do Fundo de Garantia dos trabalhadores, comprou da Prefeitura do Rio, mais de 1 milhão de metros quadrados de direitos de construir, por mais de R$ 3 bilhões, sem destinar um centavo desses recursos para construção de uma só moradia social na área!

Recursos e terras centrais não faltam na Cidade do Rio de Janeiro, se a prioridade for, realmente, prover moradia adequada aos que precisam! Basta querer.

Será que querem?

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5 Resultados

  1. jose jorge contursi disse:

    Cara Sônia Rabelo, Só um adendo, a Prof. Raquel não pediu necessariamente a REVISÃO, mas sim o que TODOS tem direito, a que um MANDADO DE SEGURANÇA, com pedido de LIMINAR seja JULGADO tempestivamente. Gostaríamos como a senhora preconiza, que isso não seja apenas um DIREITO de RICOS e DEPUTADOS e até de MAFIOSOS ESTRANGEIROS. Que uma comunidade com mais de 2000 mil pessoas, tenha esse direito, de questionar uma decisão até a ULTIMA INSTÂNCIA.
    Outra coisa, é que esse assunto já é uma luta de classes, pois embora a senhora tenha dito que muitos dos MORADORES não devem ser chamados de invasores, a AMAJB, o SOS Jardim Botânico e particularmente e principalmente o Sr. Piragibe, e porque não dizer o braço midiático de vcs a Rede Bobo, insistem em ROTULAR a TODOS, como INVASORES. Sempre fui sensível a causa ecológica com Chico Mendes dentre outros, mas nunca imaginei que burgueses se auto-intitulando de Ecologistas, possam defender a retirada de Pessoas Idosas para simplesmente, ampliar a área de seu PASSEIO DOMINICAL. Achava erroneamente que o PV era um partido preocupado com o SOCIAL. Porem vejo que a preservação do VERDE pra vocês transcende a VIDA de SERES HUMANOS IDOSOS, que como a senhora mesmo disse, FORAM INSTADOS pelo PRÓPRIO Parque JB, a construírem suas casas ali, para CONFORTO do PATRÃO. Agora que estão VELHOS, são descartados como lixo, tendo suas casas derrubadas para talvez a implantação de um shopping. Radicalismos não levam a nada, alias levam sim a um ACIRRAMENTO de uma luta de classes, já latente.

  2. Sonia Rabello disse:

    Espero que a defesa do patrimônio público – que é de todos, pobres, e não pobres – não seja transformado em uma luta de classes. Espero que a cidade, o Estado, o País se posicione sempre, seja no Jardim Botânico, seja em Olaria, seja em Ramos, seja em Marapendi, seja no Porto, seja em Ipanema, seja no Fundão/Ilha de Bom Jesus, seja no Maracanã, etc… na defesa do público/coletivo, bem como numa política consistente de provimento de moradia como um serviço público do Estado, e não apropriação privada das riquezas coletivas. Estou junto, sempre. Acho que a Profa. Raquel também, pelo que conheço dela. Abraço, SR

  3. Alexandra disse:

    Já foi a Anapu, ao Acre…? Há direcionamentos para estudo e embasamento no campo da Ecologia universo riquíssimo para entendimento dos seres vivos, principalmente, do Homo sapiens… Ecologia – Ecologia Social – Ecologia Profunda.
    Não afirmaria nada sobre mim, ou sobre Dorothy ou Chico, mas assumo que mais ecologistas do que eu, eles eram Humanistas e o campo das “Humanidades” também é espaço vasto para entendermos as emoções humanas, pq nos isolamos em prol de um lado em detrimento do outro… Tenho também essa impressão de ricos não suportarem viver próximos aos seus escravos, escancarandamente tendo que ver como um espelho que reflete a sua incapacidade de solidarizar-se. Resolvida facilmente seria o imbróglio, eu acho, se os tantos classes-médias insuflados em defesa da preservação do JB, primeiramente lutassem ao lado dos seus vizinhos-escravos, para a implantação de moradias dignas de frente-para-o-mar como indenização aos anos de escravidão, daí sim quando tais moradias estivessem prontas, permitir que “os puliças” viessem arrancar seus vizinhos à força caso não aceitassem liberar a “área de preservação permanente” dos classes-médias – poderia ser DIREITO CONJUNTO, e SEM DOR, HÁ SIM CHANCE PARA A VIDA SEM DOR, mas vc vai precisar aprender a amar, principalmente ao seu vizinho-escravo.

  4. jose jorge contursi disse:

    Prezada Sonia Rabello, Acho que a defesa da ECOLOGIA não pode e nem deve ser tratada assim de forma HIPÓCRITA. Enquanto os verdadeiros ECOLOGISTAS como CHICO MENDES, DOROTH YANG e muitos outros, morreram e morrem todos os dias na região AMAZÔNICA lutando contra o desmatamento provocado principalmente pelo AGRONEGÓCIO, aqui no Rio de janeiro, PSEUDO ECOLOGISTAS, encastelados em suas coberturas e mansões na ZONA SUL, querem salvar o seu playground o Parque Jardim Botânico e com isso retirando de suas casas pessoas idosas e crianças que já residem ali a mais de 100 anos. Quais serão as próximas especies a serem PLANTADAS e PESQUISADAS? Um outro Teatro Tom Jobim? Uma outra loja de souvenirs? Ou outra cafeteria? A ECOLOGIA é muito importante sim, mas não pode JAMAIS ser mais importante que a vida de um SER HUMANO.

  5. Senhora Sonia Rabello, não “noticiou-se”: ao contrário das inúmeras campanhas de difamação contra o povo do Horto, é verdade, fácil de comprovar, que a Professora Raquel Rolnik, Relatora Especial da ONU para Direito à Moradia enviou, no exercício de sua função, carta ao STF pedindo o julgamento de Mandado de Segurança dos moradores contra este abuso. Se quiser, lhe envio cópia. Mas basta entrar do blog dela (Prof. Raquel) para encontrar seu posicionamento lúcido e consistente sobre este assunto, que nada mais é que uma limpeza social para favorecer a especulação imobiliária.

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