Varandas fechadas: uma lei sem planejamento urbano
Mais uma vez, às vésperas da eleição de 2014, a Câmara do Rio aprovou projeto de lei, de iniciativa de vereadores (serão eles candidatos?), que contraria a estrutura do Plano Diretor vigente da Cidade. O projeto institui benefício urbanístico em prol das construtoras e dos adquirentes de imóveis, permitindo o fechamento de varandas que só foram construídas porque tinham que ser abertas!
Tudo começou com o Decreto 322/76, que regulamenta o zoneamento e a construção em toda a Cidade. Esta norma de planejamento permitiu, excepcionalmente, que varandas balanceadas – desde que abertas – fossem construídas nos prédios, sem que a área das mesmas fosse computada no cálculo máximo de metros quadrados estabelecido para construção no lote! (*1)
A regra é uma benesse aos construtores que, com as varandas balanceadas, ganham milhares de metros construtivos em cada unidade construída, e é justificada porque, sendo aberta, permite a passagem de vento e iluminação entre prédios e em sua área fronteiriça. E é, por este mesmo motivo – a abertura – é que não estariam sendo computadas na Área de Terreno Edificável (ATE). Planejamento é assim: com lógica e motivo de interesse coletivo.
O PLC 10-A, que pretende permitir o fechamento das varandas, traz como justificativa um interesse privado: “afim de possibilitar proteção contra intempéries.” Porém, se a varanda aberta, como benesse, não é do interesse do adquirente nas condições em que este comprou o imóvel, então, a solução seria fazer varandas dentro do máximo do índice construtivo, para poder fechá-las sem prejudicar o interesse coletivo da cidade! O que não dá é aceitar a benesse e depois alegar que a norma é ruim para desfrute privado, nas condições em que ela foi deferida!
Regras específicas que contrariam o Plano Diretor da Cidade
O PLC 10-A, que começou tramitar na Câmara em 2005. Este projeto de lei modifica toda uma estrutura normativa contida no código vigente de zoneamento da cidade, que é o Decreto 322/76. Este Decreto, em face da Lei Orgânica da Cidade (1990), tem força de lei, e sistematiza, até os dias de hoje, a forma construtiva geral da cidade, de acordo com o seu zoneamento.
Em fevereiro de 2011, foi aprovado o novo Plano Diretor da Cidade, a Lei Complementar 111, que é o eixo estruturante do sistema normativo de planejamento urbano da Cidade. E o art. 4º do Plano Diretor diz o seguinte:
“art. 4º _ Leis específicas estabelecerão normas gerais e de detalhamento do planejamento urbano relativas as seguintes matérias, observadas as diretrizes fixadas nesta Lei Complementar: (…)
III – zoneamento e perímetro urbano;
IV – obras de construções e edificações: (…)”
Ora, podemos ver que o Plano Diretor prevê que as normas de zoneamento e de obras devam estar sistematizadas em leis específicas gerais, ou seja, nos chamados Código de Obras, e Lei de Uso e Ocupação do Solo. Então, é elementar, que leis pontuais – como é o PLC 10-A – não atende à diretriz do art. 4º do PD da Cidade.
Benesses construtivas – É obvio que o PLC 10-A é uma lei que visa atender a uma demanda específica de um grupo de pessoas, mas sem os estudos necessários à sua adequação ao planejamento da cidade como um todo.
Fechar varandas é possível; porém a questão não é pagar por elas. Não está em jogo o quanto custa a areação e ventilação da cidade e quem pode pagar por este dano. Se queremos poder fechar varandas é simples: elas terão que se enquadrar no índice máximo de edificabilidade do terreno. As construtoras terão então que se adequar a estas regras. Ou então explicar aos seus clientes, que as varandas que eles têm, são benesses construtivas porque são ABERTAS.DECRETO 322/76:
Decreto nº 322 de 3 de março de 1976
Aprova o Regulamento de Zoneamento do Município do Rio de Janeiro. O PREFEITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: no uso das atribuições que lhe são conferidas pela legislação em vigor, Decreta:
Art. 1.º Fica aprovado o Regulamento de Zoneamento do Município do Rio de Janeiro que acompanha este Decreto.
(…)
Art. 114 Os afastamentos mínimos frontal, das divisas laterais, de fundos e entre edificações exigidos por este Regulamento serão observados em toda a altura da edificação e na extensão das respectivas fachadas, havendo ou não abertura de vãos, ressalvadas as disposições dos parágrafos seguintes.
§ 1.º – As fachadas poderão apresentar, balanceadas sobre o afastamento frontal mínimo, acima do pavimento térreo, saliências destinadas a elementos estruturais, a quebra-sóis, jardineiras, sacadas e à colocação de aparelhos de ar condicionado, desde que as mesmas não ultrapassem a profundidade de 40cm (quarenta centímetros) se contínuas ao longo da fachada, e de 80cm (oitenta centímetros) se descontínuas. Essas saliências não serão computadas no cálculo da ATE.
afastamentos exigidos acima do pavimento térreo |
§ 2.º – As fachadas voltadas para os afastamentos das divisas laterais, de fundos e entre edificações, poderão apresentar as mesmas saliências referidas no parágrafo anterior, sem serem computadas no cálculo da ATE e podendo ocupar o espaço aéreo resultante dos
§ 3.º – As saliências citadas nos parágrafos anteriores não são permitidas, sob qualquer pretexto, nos PIV e PV projetados no interior da edificação salvo quando se tratar de afastamento em toda a extensão das divisas laterais e de fundos, igual, no mínimo, à dimensão do prisma de iluminação e ventilação PIV exigido para a edificação
§ 4.º – É tolerada a existência de varandas abertas nas unidades residenciais, balanceadas sobre o espaço aéreo correspondente ao afastamento frontal mínimo, acima do pavimento térreo, com a profundidade nunca superior a 2m (dois metros), em logradouros cuja largura for igual ou maior que 12 m (doze metros) e, neste caso, não serão computadas no cálculo da ATE.
§ 5.º – As disposições do parágrafo anterior aplicam-se a logradouros cuja largura for inferior a 12 m (doze metros) apenas nos casos de edificação afastada das divisas em que o afastamento frontal for, pelo menos, o exigido para o local, acrescido da diferença da largura dos logradouros para 12 m (doze metros).
§ 6.º – É tolerada, também, a existência de varandas abertas balanceadas sobre a área de fundos do lote, com profundidade nunca superior a 2m (dois metros) desde que seja computado o afastamento de fundos a partir do plano vertical que contenha os peitoris dessas varandas e, neste caso, não serão computadas no cálculo da ATE. No caso de edificação não afastada das divisas, o afastamento deve ser observado em toda a extensão da divisa de fundos e, no mínimo, igual à dimensão do prisma de iluminação e ventilação PIV exigido para a edificação.
§ 7.º – No caso de edificação não afastada das divisas, as varandas previstas nos parágrafos anteriores distarão, no mínimo, 1,50 m (um metro e cinqüenta centímetros) das divisas laterais dos lotes.
§ 8.º – As saliências e varandas de que tratam os parágrafos deste artigo poderão exceder as dimensões da projeção horizontal das edificações estabelecidas no Art. 8 deste Regulamento.
§ 9.º – As varandas não poderão ser fechadas ou envidraçadas, mesmo em parte, sob qualquer pretexto, devendo a Convenção do Condomínio estipular tal condição, sendo o Condomínio solidariamente responsável na obediência a esta exigência.
§ 10 – As fachadas dos embasamentos das edificações afastadas das divisas que excederem a projeção dos pavimentos superiores não poderão apresentar balanço sobre o afastamento frontal mínimo exigido para esses embasamentos por este Regulamento; o pavimento imediatamente superior ao embasamento não poderá apresentar esse mesmo balanço sobre o afastamento frontal mínimo exigido para a edificação afastada das divisas.
§ 1 – Nas edificações de esquina, as fachadas, acima do pavimento térreo poderão apresentar balanço sobre a linha de concordância dos afastamentos frontais mínimos exigidos para os dois logradouros, com a profundidade máxima de 1,50m (um metro e cinqüenta centímetros) mas, neste trecho em balanço, não serão permitidas varandas.
§ 12- Não é permitido balanço além do alinhamento, sobre o logradouro.
§ 13. – As saliências, sacadas e varandas, previstas em balanço, de acordo com os parágrafos anteriores, deverão respeitar, em qualquer caso, o afastamento mínimo de 2,50m (dois metros e cinqüenta centímetros) das divisas laterais e de fundos.
§ 14 – O disposto nos § 4.º ao 9.º deste artigo aplica-se às unidades habitacionais de hotelresidência.
Art. 115 – Nos lotes com testada para logradouro que constitua limite de zona, estando os 2 lados do logradouro incluídos na mesma zona, serão aplicadas as disposições pertinentes à respectiva zona numa faixa até 3,00m (trinta e três metros) de profundidade a partir do alinhamento ou na metade da largura da quadra, quando esta largura for menor do que 6,00m (sessenta e seis metros).
Parágrafo único – Na área restante dos lotes a que se refere o caput deste antigo serão estabelecidos os aproveitamentos que observem as disposições comuns às zonas limítroles.
O Rio de Janeiro de 1976 é bem diferente do de hoje. As pessoas abriram mão dessa “areação” e de outros detalhes considerados importantes por arquitetos que vivem fora da realidade… há muito barullho, fuligem, buzinas, sirenes e carros… cada metro quadrado é uma fortuna… não vivemos em ambientes bucólicos… o fechamento regrado de varandas é uma solução real e bem vinda. A Prefeitura não pode virar as costas para as necessidades de pessoas reais, seja o grupo que for, em detrimento de tecnicismos.
Vale lembrar, que o autor da nova Lei é um Vereador da oposição. Ainda depende da aprovação do Prefeito, que pode vetar partes ou total. Só fico em duvida quanto aqueles que já fecharam as varandas, no peito e na raça, desrespeitando a Lei, se vão mais uma vez se dar bem, já que vivemos no pais dos espertos. Só estou esperando a definição para tomar a minha decisão de fechar a minha varanda, diminuindo a poeira e barulho no meu apto.