Inca projeta campus em área de proteção cultural

Ponto a ponto, órgãos federais vão estraçalhando o que resta de planejamento urbano na Cidade do Rio com a conivência subserviente do Governo da Cidade.

Não é coincidência que todas as modificações pontuais para aumentar a edificabilidade em áreas de proteção cultural na cidade são para atender demandas específicas de órgãos públicos federais que não se envergonham de pedir para alterar o padrão da legislação de áreas protegidas aplicáveis a todos, com o fim de atender os seus interesses “especiais”.

Em 2012, foi o pedido feito pelo prédio do Banco Central, que conseguiu um gabarito maior na área do projeto SAGAS, no Porto do Rio.

No início de 2013, foi a vez do BNDES conseguir aprovar o aumento de gabarito para seu novo prédio, também no Centro, na Avenida Chile, na área do corredor cultural.

Agora a proposta é para o prédio do Inca, em plena Área de Proteção Cultural (APAC) da Cruz Vermelha, também na área central.

O atual Governo da Cidade nem disfarça, como aliás não disfarçou nos outros projetos.

Diz com clareza que o projeto de lei é para atender a um único propósito construtivo; no caso atual, o novo campus do Instituto Nacional do Câncer.

Veja como é justificado, no encaminhamento do projeto de lei (PL43/2013), a proposta de alteração urbanística:

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Delimitação da área pelo PLC 43/2013 (ANEXO I-B)

“Embora esteja diretamente articulada à Praça, centro geográfico da Área de Proteção do Ambiente Cultural – APAC que leva o seu nome, a quadra que vai abrigar o empreendimento apresenta um conjunto edificado caracterizado pela falta de homogeneidade arquitetônica e volumétrica, com apenas um imóvel preservado. 

A expansão da sede do INCA será, assim, uma oportunidade para a reedificação da quadra segundo novas bases edilícias, critérios urbanísticos adequados e uma gestão institucional que valorize a relação do Campus Integrados do INCA com o seu entorno social e urbanístico. 

É de fundamental importância garantir a viabilidade desse projeto com tal complexidade, que sob o ponto de vista da saúde, não deixa dúvida quanto as suas relevâncias e prioridades e que será uma contribuição positiva no processo de revitalização das áreas centrais.”

Há dois equívocos conceituais na justificativa acima. A de que na quadra só existia um imóvel preservado, com falta de homogeneidade arquitetônica e volumétrica, e o de que a mudança de índices é um “contribuição positiva no processo de revitalização das áreas centrais” 

Ora, é elementar que toda a área é preservada, por estar inserida em uma APAC. O fato de ter um imóvel com tutela específica não diminui a importância da tutela genérica de toda a área, mesmo com diversidade arquitetônica e volumétrica, o que é uma característica da evolução arquitetônica das nossas cidades.

Aliás, o projeto proposto, em uma determinada rua, aumenta quatro vezes o gabarito da área.  E, se considerarmos os desenhos do “campus”, veremos que o que se está projetando é um enorme volume para toda a quadra.

imagem do site do INCA

O segundo aspecto diz respeito ao reiterado abuso do termo revitalização. Para tudo o que se quer derrubar, modificar, alterar, em desrespeito às normas de preservação, usa-se, como pretexto, o termo revitalização.

No caso desta área, somente quem por lá não circula acreditaria que a modificação de parâmetros estaria “revitalizando” a área.

O local em questão é uma área dinâmica, com uso misto de residências, comércios e instituições. O que precisa ser revitalizado, no caso, é sem dúvida o cuidado do governo com as calçadas, ruas, iluminação, postes, fiação, lixo, entre outros.  

É isso que precisa ser revitalizado, além das mentes que acham que revitalização é aquilo que é espelhado e caro.

Uma vez implantado o “campus”, o preço dos aluguéis na área subirão e a atual população residente, especialmente a que paga aluguel, será expulsa do local.

Essa será a “revitalização” que o projeto em questão, se houver dinheiro para realizá-lo, trará.

Aliás, o hospital público do Iaserj, que funcionava no local com todas as suas 40 especialidades e que foi demolido por ordem do governador para construir esse “campus”, cujo projeto ainda depende de mudança legislativa, não trazia vida para a área? Por que então foi posto abaixo?

O assunto ainda não está esgotado. Voltaremos ainda à análise do PL43/2013.

Quem pode dar uma contribuição, dizendo como ele foi tecnicamente estudado?

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6 Resultados

  1. Assim como o João Dias relata em seu comentário também acredito que a preservação por preservar discursando que identidade cultural está se perdendo, para mim que sou estudante de arquitetura, é coisa de Europeu com uma cultura extensa firmada, nós brasileiros ainda tentamos criar nossa cultura estilística, mas dizer que edifícios ecléticos do começo do século são parte da cultura nacional…como Lúcio Costa não vejo o porque de se preservar estas construções que como o João disse são meras cópias….

  2. Sonia, não vejo aquela quadra como ainda passível de preservação, está muito deformada, mas acho que nossos arquitetos deviam fazer um estágio na Europa para ver como se trabalha o novo em local de preservação. Pode-se sim, inserir o novo, mas com “humildade” dentro de um conjunto: respeito a gabarito, ritmo de cheios e vazios, textura e cores das fachadas. Pode ser feito um projeto que atenda a modernidade, ainda mais de um hospital, sem romper a estrutura de uma área. Incompetência arquitetônica e leniência pública. Só isto.

  3. Sonia Rabello disse:

    Agradeço todos os comentários, pois o debate é necessário. Continuo acreditando que o centro deve ser um espaço misto, e que sua escala deve ser preservada. Pelo que é apresentado do projeto do campus do INCA, a escala não me parece adequada. Se fosse, não precisaria mudar a legislação, que foi estudada para a área em geral! Seguindo a linha de raciocínio da Gabriela, digo que não só a zona oeste pode acolher estas tipologias de campus, como também a área da Leopoldina, perto do Fundão, onde há muito transporte, e muitas áreas de antigas fábricas desativadas e abandonadas. E muita mão de obra jovem esperando que aquela área tenha centros de excelência, como o INCA.

  4. A obra em questão encontra-se em andamento e o que havia no local já foi demolido. O Instituto funciona de forma segmentada espalhado em vários endereços, gerando dificuldades, principalmente, aos pacientes. A Fachada de frente para a Praça que abriga uma das unidades do Instituto aparenta ser dos anos 80, já destoando do restante do entorno. A unidade arquitetônica já havia sido quebrada e entendo que desta forma será possível aproveitar ao menos uma das instalações do Instituto. Rogo para que a obra siga bem e sem atrasos pois os pacientes merecem esta melhoria.

  5. Gabriela disse:

    Acho louvável a iniciativa de querer fazer do INCA um centro de excelência em pesquisa. De fato, estrutura para pesquisas sérias faltam em nosso país, pois profissionais nós temos. E muitos.O problema é: moro no centro do Rio de Janeiro e digo, com propriedade, que a região está inflada há muito tempo. Tenho assistido um crescimento desordenado de residências, estas sim, acabando com o patrimônio histórico local, destruindo fachadas, transformando bairros em favelas. No entanto, quando a isto, ninguém fala, pelo contrário. É incrível como o discurso populista em prol das ocupações irregulares e destruição do patrimônio público por particulares que não fazem parte de uma “elite” a ser combatida tem a capacidade de tentar encobrir a realidade em prol de interesses políticos. É admirável a iniciativa da sra. vereadora de estabelecer um espaço sério de diálogo com a sociedade, sem populismo; democrático. Assim, tenho uma questão: embora apoie a construção de cada vez melhores espaços de pesquisa, por que não fazê-lo na zona oeste ? Por que inflar, ainda mais, uma região que não conta com ruas largas para trânsito de mais carros ? Levando a construção do complexo para a zona oeste, tenho a certeza de que esta região será, cada vez mais, uma espaço de integração de toda a cidade, pois serão necessários meios de transporte eficazes para pacientes e trabalhadores, o comércio local se desenvolverá, já que haverá demanda, iniciativas públicas e privadas caminharão juntas, para, inclusive, melhorar a qualidade de vida de quem já mora lá. Uma unidade da rede Sarah já funciona na Barra, por exemplo. Querer construir bairros populares em Campo Grande, Santa Cruz, Seropédica é válido, mas abandonar as pessoas em espaços sem o mínimo de estrutura é tão ridículo quanto acatar o discurso vazio e manipulador de incentivar moradias no Centro sem admitir sua qualidade eleitoreira.

  6. João Cunha disse:

    Bom dia, discordo que a área em volta e onde será construido o complexo do INCA seja de proteção cultural, não vejo e nem nuca vi cultura ali (nem tao pouco na atual Lapa), vejo sim sim um antigo IASERJ o qual muitas e muitas vezes fui com minha mãe, totalmente abandonado, sem atender a pacientes (antes de fechar), o predio nao tinha nenhuma caracteristica grandiosa de arquitetura, sinto falar a senhora e permita-me discordar….vejo sim a frente algumas oficinas ….um hotel (motel) uma praça cruz vermelha com dois postos de gasolina…..sou totalmente a favor de preservar a cultura de uma cidade…..sim mais CULTURA MESMO, nao prédios cópias, bares que enchem ruas de bebuns, e gente falando alto pelas ruas (nao sou morador da região), o que poderia ser feito???? muita coisa ….mas primeiro seria restringir automoveis e onibus na regiao…..mudar sim para um VLT (bonde as antigas idem) incentivar lojas de estilo, arte e decoração, bares e restaurantes impares…museus inovadores, casas de cultura de artes e cenicas, oficinas de arte, faculdades e universidades ligadas tb ……obrigado por ler meus comentários

    Att

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