Buraco do Lume: qual o seu negócio? Para quem?

Buraco do Lume – Foto: Suellen Lessa

Uma das questões mais nebulosas que envolvem as prefeituras brasileiras é a doação, aos proprietários de imóveis, de índices construtivos públicos cujo preço no mercado é de milhões de reais.

Nada materializa mais este caso, no momento, do que a recente proposta da Prefeitura do Rio de alterar os índices de edificação do suposto terreno privado, localizado na Praça Mário Lago, no Centro do Rio, para atribuir-lhe, gratuitamente, uma edificabilidade que poderá alcançar até quatro vezes a sua área (Projeto de Lei Complementar 128/2019).

Isto se chama de “enriquecimento sem causa”, vedado pelo art. 884 do Código Civil que diz:

“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.”

Duas questões fundamentam esta proposta escandalosa, à luz do interesse público:

A primeira questão é que o terreno ao qual se pretende dar gratuitamente ao atual proprietário (cujo nome é escondido da população, provavelmente por vergonha …), já é provavelmente público. Não há mais imóvel privado. Só formalmente no Registro de Imóveis. Mas, esta formalidade foi ab-rogada pela usucapião pública da praça lá localizada na integralidade do terreno deste seu aterramento nos anos 80 pelo prefeito Kablin, em função do abandono e desídia do antigo proprietário; praça esta, desde então, de uso comum do povo, e oficialmente designada como logradouro público.  Incontestável e incontestada situação pública de logradouro público.

Se assim for, o alcaide da cidade não pode abrir mão de patrimônio público de uso comum do povo, sob pena de improbidade administrativa.

A segunda questão é que, ainda que o terreno, por suposição, fosse privado, a intensidade de seu uso estaria já designada pelo Decreto 6159/86, compatível com a área de preservação cultural no seu entorno, qual seja:

“Será permitida somente a implantação de equipamentos destinados a atividades culturais, quais sejam: cinema, teatro, biblioteca e livraria. (…) será permitida somente uma edificação com altura máxima de 17,00m (dezessete metros) incluindo-se nesta altura qualquer elemento construtivo acima do nível do solo. (…) será obrigatória a existência de pilotis, ocupando o total da sua projeção com altura mínima de 6,00m (seis metros), a ser computada na altura máxima permitida para a edificação. (…) A área livre mínima obrigatória para as edificações situadas no lote mencionado no art. 1º será de 60% (sessenta por cento) não podendo ser ocupada para fins de estacionamento de veículos.”

Então, se o misterioso novo proprietário comprou este suposto terreno privado abandonado, convertido em praça desde a década de 80, com estes usos estabelecidos no decreto 6159/86, por que será que o alcaide da Cidade quer presenteá-lo, depois da sua compra, e gratuitamente, com vários milhões de reais consubstanciados em índices construtivos públicos? Quem seria este beneficiário de tanto dinheiro público ao qual se pretende dar gratuitamente?

Rio, qual o seu negócio? Confia em mim…

Você pode gostar...

5 Resultados

  1. Luiz Paulo Gerbassi Ramos disse:

    Mais Uma Vez Parabéns Dra. Sonia por suas atentas e combativas atitudes na defesa do interesse público de nossa Cidade, cansada de tanto desapreço pelas “autoridades”. Através de suas atitudes de denúncia, argumentação sempre muito bem fundamentada e da movimentação dos cidadãos, a Cidade do Rio de Janeiro tem sido preservada de ataques gananciosos ao Patrimônio Público, como o Morro Do Pasmado e o Bioma de Deodoro, dentre outros e mais agora a Rua da Carioca e a Praça Mário Lago ambas no centro da cidade, sempre com a complacência dessas a”autoridades”.

    Assim vais aqui o sincero reconhecimento e agradecimento de Cidadão Carioca.

    Com Meu Fraterno Abraço.

    Luiz Paulo

  2. Ephim disse:

    Excelente artigo. Aponta a necessidade de repensar e recriar o centro da cidade, projeto a ser baseado em princípios contemporâneos de resiliência. O nosso centro (CBD) ainda é o polo econômico com a maior concentração de emprego formal da região metropolitana do Rio. Do ponto de vista urbanístico, o centro contem equipamentos culturais, educacionais e de lazer que servem aos bairros cariocas bem como a area metropolitana. Contudo, constatamos com tristeza a falta de manutenção e o abandono das areas centrais. Neste contexto, cabe notar que a revalorização do centro através de um projeto de cidade, poderá iniciar um novo ciclo virtuoso de investimentos em infraestrutura publica e com isto atrair os investidores privados. Neste projeto de cidade, enquadraria o “buraco do Lume”, enquanto jardim publico arborizado. Nesta visão poderá ser resignificado e requalificado para o seu melhor aproveitamento de fruição publica. Em tempo, se continuarmos tratando o desenvolvimento urbano de forma fracionada, aprovando projetos a partir de um lote, vamos continuar esgarçando o que ainda restou do nosso tecido urbano histórico e oferecendo um futuro incerto para os monumentos de patrimônio cultural e histórico que temos.

  3. Celinéia Paradela Ferreira disse:

    Vista assim de cima, se percebe a importância dessa área, como um ponto de respirar, sufocado pelos edifícios ao redor. Não é um terreno abandonado, é uma praça, meu Deus, espaço de convivência e de bem estar da sociedade! Não é justo a cidade ser assim descaracterizada pela ganância imobiliária!

  4. Nome*Maria Lúcia Horta Ludolf de Mello disse:

    Inacreditável!!!! Brasil país dos absurdos!!!!!

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

pt_BRPortuguese
pt_BRPortuguese