De Lota@edu para Eike.Batista@com

Coluna Elio Gaspari – Folha de SP / Globo – 11.12.2011

“Dizem que o senhor é o homem mais rico do Brasil e aspira ao título mundial da categoria. Outro dia, jogando bridge com o Deng Xiaoping, ele disse que esse tipo de láurea não traz sorte. O Deng gosta de mim porque somos do mesmo tamanho. Ele contou que um sujeito chamado Huang Guangyu fez esse número em Pequim. Tinha sete bilhões de dólares e acabou na cadeia. O mesmo sucedeu a um tal de Khodorkovsky, o homem mais rico da Rússia, e ao indiano Sahid Balwa, que entrou consigo na lista da Forbes dos 10 bilionários mais jovens do mundo.

O senhor diz que gosta do Rio. Desde 2009 é sua a concessão da Marina do aterro. Ela fica em frente ao Hotel Glória, que também é seu. A ideia de aproximar essas duas belezas é boa, mas daqui vejo que estão fazendo coisas horríveis. Não estrague o parque, não se meta em encrencas, como o Huang, o Khodorkovsky e o Sahid.

Seu pessoal da EBX diz que, depois de um concurso internacional de arquitetos, foi escolhido um projeto do doutor Índio da Costa para vitalizar a Marina. Ele prevê uma construção de 15 metros de altura, equivalente a um prédio de cinco andares, e teria sido aprovado pelo Instituto do Patrimônio Histórico.

Puras patranhas.

O negócio da EBX não é vitalizar a marina. O que o senhor quer é construir um centro de eventos. Esse golpe vem desde 1979, quando o presidente, general João Figueiredo, presenteou maganos com um pedaço do aterro, cancelando parcial e ilegalmente o tombamento de 1965. Doutor Eike, sua marina teria uma garagem subterrânea com 1.500 vagas. O senhor foi campeão mundial de offshore e conhece o mundo do mar. Já viu marina com estacionamento para 1.500 carros?

Seu pessoal diz que o projeto do Índio da Costa venceu um concurso ao qual concorreram 33 arquitetos. Quem concorreu? Cadê os outros projetos?

A EBX diz que o Iphan aprovou um “projeto conceitual”. Isso não existe. O Conselho Consultivo do Iphan teria aprovado o tal “projeto” na sua 67ª reunião, em maio passado. O Ministério Público do Rio pediu cópia da ata e dos estudos. Não conseguiu sequer resposta. Não existe no Iphan processo administrativo tratando exclusivamente do projeto de Índio da Costa. A turma que lhe vendeu a concessão perdeu uma ação no Tribunal Federal Regional, que julgou a área “não edificável”. O processo foi mandado para Brasília, e o caminhão que o transportava sumiu. Não sobraram sequer os pneus.

Na área da Marina há hoje um mafuá e até um restaurante, naquela paisagem, sem janelas. O aterro arriscava virar um lixão. Um dia acharam por lá o braço de uma vítima de um deslizamento ocorrido em Botafogo. Durante as obras eu peguei tifo. Tentaram atravessar um projeto de outra casa de comidas, com dois andares e uma “área de exposições”. Agora o Oscar Niemeyer desenhou um calombo para uma casa de espetáculos, associada à churrascaria Porcão. Pena. Um doidivanas quis presentear o aterro com uma réplica da Fontana di Trevi. Chegaram a convencer o Carlos de que o parque deveria ser coberto por saibro, eu lhe disse para deixar de ser idiota, grama custa menos. Queriam espetar 1.800 postes no pedaço. Chamei um designer americano e ele inventou os postes que estão lá até hoje. São 112. Enfrentei toda essa gente, não tenho medo de homem. Sou lésbica e, nos anos 50, usava mocassins do Moreira e camisa social com mangas arregaçadas.

Respeite o tombamento do aterro e a memória do Iphan. O senhor pode vitalizar aquela área com um grande projeto para uma marina. O lazer no parque é grátis, não tente ganhar o dinheiro dos frequentadores com feiras e eventos.

O desmonte do morro de Santo Antonio produziu uma glória do urbanismo brasileiro (o aterro) e uma de suas maiores desgraças (a avenida Chile). O senhor está no lugar certo, com a ideia errada e um método deplorável.

Meus respeitos.

Maria Carlota Costallat de Macedo Soares, sua Lota”

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