Decreto do Campus Fidei: tão esquisito quanto as licenças

Anunciado e publicado pelo prefeito do Rio o decreto expropriatório da área encharcada do denominado Campus Fidei, em Guaratiba.

O decreto é tão estranho quanto as licenças que facultaram a destruição daquela área privada, de sua vegetação e dos aterros que afundam. E por que o prefeito quer salvar o proprietário da área do ônus de sua recuperação?

Sim, porque pela desapropriação a Prefeitura terá que pagar o que a área vale no mercado. E de nada adianta o prefeito declarar que descontará do preço a ser pago o valor gasto por terceiros (Igreja Católica) no aterro da área, cujas licenças ele mesmo diz que foram regulares. A afirmação é demagógica pois é juridicamente inviável. E ele sabe disso porque certamente consultou os advogados da Prefeitura.

Também são absolutamente demagógicos os seis primeiros “considerandos” do referido decreto expropriatório.  Eles se referem a uma expectativa da presença do Papa no local, e que nada tem a ver com os planos e projetos da Prefeitura fomentar e prover habitação social aos seus cidadãos !

O decreto é tão apressadamente mal feito que coloca num último considerando o que é o fundamento da própria expropriação: a construção de casas populares (art.2º, inc.V da lei 4132).  Portanto, isso não é “considerando”, mas fundamento do decreto.  (Veja a diferença com outro decreto expropriatório sério da Prefeitura, no caso da Transcarioca, onde várias casas são expropriadas para construção da via).

A não identificação e a “via judicial”

Finalmente mais dois aspectos inusitados que, ao nosso ver, podem invalidar o decreto.

O primeiro é o fato de não identificar o imóvel a ser expropriado. É cediço na doutrina que a identificação do imóvel é essencial à sua correta validade.  O prefeito pode até declarar que não sabe quem é o proprietário, mas certamente não pode brincar de não saber qual é a identificação do bem, com todas as informações urbanísticas e prediais que a Prefeitura dispõe.

O segundo aspecto é o fato de declarar que a desapropriação será feita por “via judicial“.  Por que abrir mão de uma faculdade que é dada à Administração Pública pela lei federal (DL3365/41), de fazer a desapropriação por via administrativa/amigável ?

Pela via administrativa, as despesas expropriatórias são efetivamente muito mais baratas para o poder público: sem pagamento de eventuais custas de sucumbência, sem honorários advocatícios, que podem ser bastante extravagantes, no caso.

Medo de ser acusado de pagar a mais por um terreno que por si só se mostra inadequado ao propósito a que se destina?  Ou deixar para o futuro governo eventuais diferenças de preço no “elefante branco” a ser expropriado?

Além de todas as críticas a essa intenção de expropriação, o que vemos é que continuamos no mesmo ritmo administrativo no governo da Cidade: decisões rápidas e mal feitas, sem planos, e guiadas tão somente pelos desejos e vontade pessoal do novo “rei” do Rio.

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5 Resultados

  1. Cara Sonia, admirei sua explanação, mas os desmandos e falcatruas são muito maiores e mais antigos.Sou pr´prietária de um lote na área onde seria realizada a missa.Uma semana antes já era , com sol radiante um grande lamaçal.Recebi em doação o lote de meu tio , que o adquiriu da Cia Vila Mar, em 1955, mas nunca o recebeu de fato , urbanizado como de direito.Tenho escritura, paguei IPTU, Ee sempre quisemos utilizar, porem nunca tivemos acesso ao terreno.Soube por informações na prefeitura local, que após a missa seria construido um condomínio de luxo , o que não duvido, pois ao comparecer dois anos antes da jornada a referida companhia quiseram comprar meu lote por um valor ínfimo, por que será ? Gostaria de contar com sua ajuda e prestígia para saber como está a questão do “tal ” decreto, que pelo que sei expirou dia 28 próximo passado.Agradeço antecipadamente.

  2. Cara Sonia,
    Inclui o link deste post excelente no último texto do Blog Urbe CaRioca, que foi GUARATIBA: DE ZONA RURAL A LAMAÇAL. Um grande abraço,
    Andréa
    Obs – link para o artigo – http://urbecarioca.blogspot.com.br/2013/08/guaratiba-de-zona-rural-lamacal-parte-1.html

  3. Administrar por DECRETO é, sem dúvida, ato de desmando e que deveria ser contestado pelos órgãos competentes.
    Se é tão fácil desconfiar de falcatruas, porque não é fácil também à justiça e ao MP demitir o facínora?
    Será que a justiça e os órgãos estão cegos?

  4. Sonia Rabello disse:

    Caro Edimilson: muito obrigada pelos elogios, fruto da sua generosidade. E parabéns pelo seu parecer, ainda da década passada, sobre o complexo do Maracanã, que tive o privilégio de mencionar no meu post da semana passada. Um grande abraço, SR

  5. Tive o privilégio de tralhar por algum tempo com a Dra. Sonia Rabello no IPHAN- Rio. Pessoa impar na sabedoria e caráter.
    A análise é perfeita da falcatrua que estão tentando.
    Os sinais eram evidentes. Usaram a chuva como pretexto mas, suponhamos que não chovesse naquela véspera. O local seria liberado? NÃO!.. Nada estava concluído, era só perfumaria para mascarar.
    Como tiveram esta brilhante ideia de transformar num bairro popular, da noite para o dia e tiveram a audácia de anunciar na última missa do Santo Papa??
    Quem anunciou? O Bispo do Rio que afirma ter a Igreja arcado com as obras de infra estrutura. Ele não deve mentir, com certeza, mas tinham então 24 milhões para fundo perdido?
    Havia uma reserva desse porte?
    D. Oramis, por princípio, não mentiria e não ocultaria fatos, mas que soou estranho com certeza, soou. Ele mesmo, na sua fala no princípio da missa, anunciando o bairro popular, sem ter nada a ver diretamente com a causa do terreno – em tese – soou bastante. Na verdade cheirou mal.
    Fiquei chocado com a última despedida no Galeão, tipo VIP, com todo jeito de improvisação, eles ali beijando e fazendo gracinhas para o Papa.

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