Floresta do Camboatá x Autódromo: compreenda as ações já em Juízo

#odiadepois

 

 

Quando o assunto é sobre investimentos externos no Brasil, a mídia nacional e internacional tem batido em duas teclas permanentes: o compromisso com a preservação do meio ambiente e a segurança jurídica dos investimentos. A proposta do hipotético Autódromo, no Rio, não atende nenhum destes pressupostos.

Do ponto de vista ambiental, só pessoas desconectadas com qualquer realidade científica e jurídica advogam que a substituição de uma floresta de Mata Atlântica por um pretenso autódromo seria compatível com o dever do Estado de garantir o direito fundamental do cidadão à preservação do Meio Ambiente. Ao mencionar esta obrigação, a Constituição Federal (CF) destaca especialmente a preservação da Mata Atlântica no §4 do artigo 225 da CF. Quem quiser saber tudo sobre o valor ambiental da Floresta do Camboatá -no bairro de Deodoro, no Rio – é só visitar o Blog da SOS Floresta do Camboatá.

O segundo aspecto é o da segurança jurídica. Por conta da proteção constitucional e legal dos inúmeros direitos públicos coletivos envolvidos – ambiental, urbanístico, patrimonial e administrativo – o pretendido negócio da construção do “novo” Autódromo é altamente controverso. Nasceu torto e, pelo jeito, continuará assim por anos.

Só para exemplificar vamos falar das três ações em curso no momento: uma Ação Civil Pública (ACP) do Ministério Público Federal (MPF) na Justiça Federal, e duas ações na Justiça Estadual – uma ACP do Ministério Público Estadual, e uma Ação Popular (AP). Todas discutindo ilegalidades distintas envolvendo o tema da pretensão de construir um Autódromo no lugar da Floresta do Camboatá. Outras ações judiciais virão, com certeza, conforme iremos mencionar.

Comecemos pela ACP do MPF:

Esta ACP foi iniciada em 2019 pelo Ministério Público Federal (ACP1/MPF) para exigir que antes de realizar a licitação de concessão da obra do autódromo, em terras públicas federais – área de Mata Atlântica – , o Município fosse obrigado a realizar o EIA-RIMA. Depois de muitas idas e vindas, e como a licitação já tinha sido realizada, o MPF nesta ação obteve decisão, em agosto de 2019, da 5ª Turma do Tribunal Federal para que fosse:

“… suspensa a contratação objeto da concorrência no 01/2018 – processo no 04/550.139/2017, até que o EIA-RIMA seja apresentado e aprovado pelo órgão ambiental licenciador e seja expedida licença prévia atestando a viabilidade ambiental do empreendimento no local, visto não ter sido atendida, ao menos em sede de cognição sumária, o requisito do art. 10 da Lei no 11079/2004.”

Aprovação? – Portanto, a audiência pública que ora se realiza ainda é fruto da decisão tida neste processo, que tramita na Justiça Federal. E, não basta a audiência pública. É necessário que o órgão licenciador, no caso o INEA aprove, ou não, o empreendimento, considerando a legislação em vigor de proteção ambiental, e dê, ou não, a licença prévia atestando a sua viabilidade.

Quem no INEA assumirá a responsabilidade técnica deste parecer? Ainda que esta seja dada, nada impede que, verificada a ilegalidade, seja no procedimento de licenciamento, seja no desvio ou abuso de poder no deferimento da licença, o ato da expedição da licença prévia seja judicialmente questionado, para pedir a sua nulidade. Portanto, a par da audiência pública que se realiza, esta lide está longe de acabar.

Registre-se que é certo que este licenciamento não poderá contrariar, sob pena de ilegalidade, o artigo 268, IV, V e VI da Constituição do Estado do Rio de Janeiro que estabelece, ex vi lege, que são áreas de preservação permanente:

III – as nascentes e as faixas marginais de proteção de águas superficiais;

IV – as áreas que abriguem exemplares ameaçados de extinção, raros, vulneráveis ou menos conhecidos, na fauna e flora, bem como aquelas que sirvam como local de pouso, alimentação ou reprodução;

V – as áreas de interesse arqueológico, histórico, científico, paisagístico e cultural;”

O segundo processo, a ACP do Ministério Público Estadual (ACP2/MPE), nasce em consequência do referido primeiro processo:

Nesta ACP o Ministério Público Estadual questiona a forma de realização da Audiência Pública (determinada no bojo do processo ACP/MPF). Isto porque o interessado (RIO MOTORPARK) pretendeu primeiro realizar a audiência pública presencialmente, em plena pandemia; e, depois, como esta se mostrou impossível, pretendeu realizá-la de modo remoto (virtual). A forte argumentação do MPE nesta ação obteve inicialmente acolhimento liminar no Juiz de 1ª instância; mas esta decisão foi posteriormente cassada pela decisão monocrática do Ministro Toffoli, no recesso judicial do STF, alegando “interesse da ordem pública”… Esta decisão monocrática do atual presidente do STF ainda é objeto de recurso, interposto pelo MPE, junto ao Supremo.

Efeitos da liminar – Isto significa que a audiência pública virtual que ora se realiza, está acontecendo por força de liminar. Isto não impede que, no julgamento do mérito esta a ação do MPE venha ser julgada procedente e, assim ocorrendo, a realização virtual da audiência pública perca a validade! Ou seja, a pressa na realização da audiência pública virtual é um risco para os empreendedores nacionais e estrangeiros, pois nada garante que, como disse, no mérito, a realização da audiência pública virtual seja julgada inválida, por não atender os pressupostos de informação e participação social suficientes. E isto impactará, obviamente, também o julgamento e o resultado da ACP1/MPF acima mencionada.

A terceira ação é uma Ação Popular (AP) proposta  pelos Advogados Rogério Rocco e J. Antônio Seixas, na qual pedem a suspensão da audiência pública referida no item 2, pelo fundamento de que ela foi autorizada por colegiados incompetentees do órgão estadual licenciador. Incompetentes do ponto de vista de suas constituições, atas, nomeações, e processo decisório.

A ação (AP) também bem fundamentada obteve, novamente, decisão positiva de outro Juiz de 1ª instância, que deferiu outra liminar para suspensão da audiência.

A outra parte, o Município do Rio, recorreu desta decisão ao Tribunal de Justiça, e o desembargador relator, com fundamento de que o “projeto que tem o potencial de contribuir para o reaquecimento da economia municipal e estadual e o atraso no cronograma…”, cassou a liminar dada pelo Juiz de 1ª instância, embora reconhecendo que seria “necessária a observância do princípio do desenvolvimento sustentável, a fim de se resguardar a devida proteção e preservação da fauna e da flora afetadas sem que isso implique a inviabilização do empreendimento.” Como fazer, então, isto ali? Isto, obviamente, não foi explicado…

Mais uma vez, repita-se, a etapa da audiência pública virtual foi autorizada, e está sendo realizada por força de liminares extraordinárias, digamos assim, ressalvando-se que o mérito dessas lides ainda será julgado, conforme afirmou o desembargador que deferiu a última liminar no TJ-RJ: …”afastar os efeitos da decisão agravada até a análise do mérito do presente recurso”…

Equívoco jurídico – Todas estas lides judiciais já postas em juízo, e ainda não julgadas no seu mérito, demonstram o quanto a decisão política – de interesse privado – de instalar um autódromo no lugar de uma floresta de mata atlântica, é juridicamente equivocada e, por isso, traz uma total insegurança para qualquer investidor minimamente lúcido.

Vale finalmente ressaltar que o interessado ainda não tem qualquer contrato assinado, pois este depende da conclusão juridicamente válida do licenciamento ambiental.

Não só isso. Para assinatura do contrato, o Tribunal de Contas do Município condicionou a sua assinatura à aprovação, pela Câmara de Vereadores de lei autorizativa de transferência de parte do terreno federal (41%) ao particular – RIOMOTOR PARK – para que esta se remunere da obra pública com a construção de seus empreendimentos imobiliários.

E esta lei municipal ainda não foi aprovada, bem como não há notícias de que o terreno federal já tenha sido transmitido pela União ao Município.

Portanto, existem ações a serem julgadas no seu mérito, e outras ainda a serem propostas, como a que poderá ser proposta para verificada a regularidade do processo licitatório, bem como questionamentos judiciais no futuro licenciamento urbanístico, por contrariar o artigo 235 da Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, ou pelo questionamento da Lei Complementar 108/2010 do MRJ que foi aprovada, sem participação social, modificando os parâmetros urbanísticos da área para que esta fosse dada ao particular para os seus negócios imobiliários; e também uma outra lide para questionar o eventual licenciamento urbanístico e parcelamento, ao qual não poderá ser feito sem relatório de impacto de vizinhança, ou de programa urbanístico do empreendimento.

Muita água “legal” ainda passará antes que hipotéticas pontes e estradas possam ser construídas no lugar da Floresta do Camboatá. Os questionamentos são e serão muitos, presentes e futuros; por isso, o caminho será longo e incerto para os investidores ou contratantes internacionais.

Desta vez, e agora por diante, a sociedade civil está e continuará atenta em defesa da qualidade de vida urbana e ambiental da cidade. Todos podemos esperar sentados até tudo ficar redondinho, na forma da lei…

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2 Resultados

  1. Sonia Rabello disse:

    Caro Andrew. Obrigada por acompanhar o assunto. Não tenho notícias sobre o questionado. Vou verificar no proc. ACP1/MPF, que havia sim, indagado ao juízo notícias sobre a transferência do imóvel da União para o Município.

  2. Frank Andrew Davies disse:

    Olá Sonia e equipe, agradeço muito os informes. Sou sociólogo e tenho pesquisado a relação entre o Exército e certas dinâmicas em curso no Rio de Janeiro, nesse sentido tenho acompanhado a questão do autódromo na área florestal desde 2015 ao menos. Te pergunto e se puder me auxiliar te agradeço muito. O MPF contestou o repasse da área do Comando do Exército para o Ministério dos Esportes? Porque mesmo sem a confirmação dessa transferência, foi registrado o pagamento de R$ 104 milhões por essa área.
    Em linhas gerais estou tentando entender quem ainda é o proprietário do lote e se há contestação legal sobre essa negociação.
    Agradeço a todxs desde já e me incluo nessa luta,

    Fonte: Blog Olímpico (maio de 2019) https://olharolimpico.blogosfera.uol.com.br/2019/05/22/esporte-gastou-r-120-milhoes-para-ter-terreno-de-futuro-autodromo-limpo/

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