O que não sabemos sobre o negócio imobiliário proposto pela UFRJ

Na última quinta-feira, dia 21 de novembro, foi realizada uma reunião extraordinária do Conselho de Política Urbana – COMPUR – da Cidade do Rio, para apresentação de uma proposta de normatização de duas áreas da Universidade Federal a saber: a área do campus universitário do Fundão, e a área do campus universitário da Praia Vermelha, em Botafogo.

Neste blog vamos nos ater aos aspectos gerais da proposta e, em especial, à parte sobre às propostas relativas à área da Praia Vermelha, com 100 mil m², e, sem dúvida, a mais impactante para a cidade no momento.

 

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A reunião iniciou-se às 14h45 e terminou às 17h30. E por que isto é importante? Segundo a gerente do projeto na Prefeitura, o assunto vem sendo estudado há cerca de um ano por um grupo interno, em conjunto com um grupo dos interessados da UFRJ. 

É evidente que, em menos de três horas, os integrantes do COMPUR viram os 36 slides compactamente apresentados, e houve uma enxurrada de dúvidas por parte de membros do COMPUR e de convidados presentes na reunião. Ressalte-se que no encontro não foi apresentado o projeto de lei, pois ele não se encontrava finalizado (agora, a minuta, não finalizada, encontra-se no site do Prefeitura/COMPUR)

Resumindo as várias colocações dos expositores e as dúvidas e ponderações dos membros do COMPUR:

O grupo da UFRJ apresentou duas justificativas para o projeto:

a) A exigência do Tribunal de Contas da União de dar um uso ao equipamento do ex-Canecão, que se encontra em estágio avançado de deterioração, desde que a universidade o retomou, após 40 anos de lide judicial;

b) Fazer uso do patrimônio “vazio” para contornar o teto de gastos financeiros previsto pelo Governo Federal para todas as universidades federais. (ver mais infos aqui)

Contudo, no que diz respeito à proposta relativa ao uso de parte do imóvel da Praia Vermelha, a universidade não quer simplesmente usar 50% da parte do terreno de 100 mil m², aplicando a legislação vigente para o bairro. A proposta da universidade é fazer uma lei só para si, excetuando a legislação geral do bairro, para permitir um adensamento mais verticalizado e mais livre em suas atividades de uso. Ou seja, não só uso residencial, mas qualquer uso que seja o mais rentável, especialmente comercial e de serviços.

 

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E quais seriam estes usos ?

Isso não se sabe neste momento, já que os usos seriam estipulados posteriormente, por decreto, a partir do interesse e da viabilidade econômica do empreendedor imobiliário que vier a ganhar a concorrência de exploração do terreno.

A proposta deste uso intensivo da metade do terreno da universidade pública para empreendimentos imobiliários encontra sua justificativa em um estudo de viabilidade econômica que foi contratado via BNDES junto ao “consórcio Fator/Galípolo/Pedrotaddei/VG&P [que] foi o vencedor do pregão. O grupo, liderado pelo Banco Fator S.A., apresentou o melhor lance, no valor de R$ 2,6 milhões. A contratação dos consultores prevê a realização de estudos de modelagem para o uso, por um tempo determinado, de imóveis na Praia Vermelha, Cidade Universitária e no Centro do Rio de Janeiro. (Edital e Anexos para contratação dos serviços)

Viabilização financeira – Esta modelagem do negócio imobiliário é que deve ter inspirado a proposta de modificação da legislação geral do bairro para viabilização financeira de melhor lucratividade no uso dos terrenos universitários. Mas, em nenhum momento foi dado aos membros do COMPUR qualquer acesso às informações e estudos desta modelagem. Foi alegado que, para a sua finalização, eles precisariam da definição dos novos parâmetros urbanísticos.

Ora, ficamos no paradoxo, no caso, de saber quem nasceu primeiro – o ovo ou a galinha. Isto porque se a modelagem é que estaria a indicar a proposta de lei de exceção ao bairro só para uma maior lucratividade econômica para a UFRJ (o ovo), ao mesmo tempo diz-se que esta modelagem justificadora dos novos parâmetros não é apresentada, pois sua conclusão dependeria da viabilização dos novos parâmetros urbanísticos apresentados (a galinha…).

A pergunta que não quer se calar …

Se a universidade acha que o seu terreno (público), com vasta arborização, no coração do já densificado bairro de Botafogo/Urca, está, ao seu ver, injustificadamente sem o aproveitamento imobiliário/econômico máximo, por que ela – universidade – simplesmente não usa a legislação urbanística em vigor e parcela, constrói, vende, cede, concede o que puder, de acordo com a norma vigente, fruto do planejamento geral da cidade? Por que ela quer mais uma “leizinha” urbanística, especial, para chamar de sua? E logo uma universidade! E que universidade…

Registre-se ainda que, evidentemente, nesta reunião não foram apresentados quaisquer indicadores, estudos, diagnósticos ou prognósticos urbanísticos que justificaram a proposta legislativa. Como se somente a alegada (e não demonstrada) situação de penúria financeira da universidade fosse suficiente para se propor alterações específicas na legislação de uso do solo da cidade. Não foram apresentados estudos demográficos de futura ocupação, nem de trânsito, drenagem, saneamento e escoamento de chuvas e impermeabilidade, nem de impactos de vizinhança, ambientais, nem relativos ao patrimônio cultural.

Quanto a este último – o patrimônio cultural – destaque-se que a proposta está na zona de amortecimento do Patrimônio Mundial, e o Comitê Gestor da área não foi ouvido!

Enfim, trata-se de um projeto específico sem qualquer programa urbanístico para área; uma mini operação urbana, travestida de operação interligada!

Passar o trator – Por que então, mesmo sem qualquer estudo, indicador, diagnóstico ou prognóstico urbanístico, falou-se em mandar a proposta para a Câmara Municipal? Só podemos pensar em uma resposta: passar o trator. Dar o assunto por tratado (falsamente) no COMPUR. Fingir que cumpriu a participação.

Ora, esta apresentação preliminar ao COMPUR não cumpre nem mesmo os termos da Moção de Procedimento aprovada na reunião de 23.07.2019 que, para melhorar a qualidade de sua participação no processo de planejamento decidiu:

“Todas as matérias, submetidas ao COMPUR, e que tratem de alteração na legislação urbanística, ou na forma ou conteúdo de implantação das políticas urbanas, especialmente quando as mesmas tiverem por objetivo se materializar em projetos de lei a serem encaminhados pelo Executivo, devem ser objeto de remessa aos seus membros com antecedência necessária para estudos e debates prévios, e acompanhado dos devidos estudos técnicos que justificam a proposta.

Quando as propostas do projeto forem objeto de apresentação em reunião do COMPUR, a matéria deverá então ser objeto de pauta para uma próxima reunião, para que a integridade da proposição, acompanhada dos estudos técnicos que a justificam, possa ser levada ao conhecimento prévio das organizações civis, para as consultas necessárias, e agendamento de debate no COMPUR com as informações estudadas por todos os seus membros.”

Aguarda-se que a proposta legislativa, antes de ser mandada para Câmara, seja objeto de apresentação de indicadores e estudos técnicos que a embasaram, não só ao COMPUR, mas também em audiências públicas, bem como apresentação da modelagem econômica que lhe deu causa.

Seria interessante também que todas estas informações tivessem o parecer prévio dos professores urbanistas da UFRJ, para ver se a mesma se adequa a tudo que ensinam aos seus alunos sobre de cidades mais igualitárias e sustentáveis.

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11 Resultados

  1. sergio disse:

    Toda a comunidade da UFRJ deve participar.

  2. É uma verdadeira aula de gestão, de participação política e de vida em sociedade, de como pesquisar leis, processos e dar voz a verdades aue precisam ser ouvidas. Obrigada pela tua coragem Sonia. Precisamos de mais Sonias na cidade do Rio e no Brasil. Esta matéria precisa ser divulgada Associaçoes de moradores locais, nos jornais nacinais e em revistas de gestao, pesquisa e urbanismo internacionais. Vamos divulgar!

  3. Professora, que bom vê-la nesse dinamismo, como estávamos acostumados a ver na Câmara Municipal. A sua saída de lá e do vereador Edson da Creatinina foram as maiores perdas políticas para a Municipalidade, desde que me entendo como pequeno ator da nossa política regional. Quanto a esse episódio, queria também dar pequena colaboração, no sentido de testemunhar que o Conselho Municipal de Transporte também está sendo, de certo modo, esvaziado, e não é por culpa dos agentes públicos presentes nele, e sim pela política adotada pelos seus dirigentes maiores, e talvez nem sejam os de carreira, e isso se materializa exatamente no mesmo tipo de atitude que a senhora relatou: o Conselho não é informado de detalhes de projetos de ampla repercussão, ficando apenas na superfície das reais intenções dos autores desses projetos; outra atitude lamentável dos agentes públicos “tocadores” de projetos é o fato de desqualificar e “enquadrar” os conselheiros ditos não-especialistas no assunto, sutilmente os intimidando, para que NÃO FUNCIONEM COMO REGULADORES PÚBLICOS DAS INICIATIVAS do poder executivo. É lamentável que essa política municipal tenha apoio de alguns atores institucionais “CONCURSADOS” ou mal-intencionados ou que se movem partidariamente. Pra terminar, gostaria de que a senhora também comentasse que esse projeto de um equipamento público de educação, com gestão federal, teve iniciativa no governo anterior, que tinha o caráter popular e socializador. Parece que a presença de atores financeiros na “história” enfraquece esse aspecto político, não? Obrigado pela atenção. Abrçs. e muita saúde.

  4. Alessandro Zelesco disse:

    Parabéns pela matéria. A comunidade academica deveria se mobilizar contra este absurdo em gestação. Sabemos como terminará se não houver reação energica da sociedade.

  5. Jose Magalhaes de Oliveira disse:

    A comunidade universitária não foi amplamente consultada antes de sugerir esse projeto. O ex-reitor Roberto Leher assinou em 2018 um contrato com o BNDES para realizar um “estudo” e de lá para cá o projeto tem avançado como se todos estivessem de acordo, só que não!

  6. Jose Magalhaes de Oliveira disse:

    Parabéns pela matéria. Sou funcionário da UFRJ, trabalho no campus da Praia Vermelha e aqui todos fomos pegos de surpresa por esse “projeto” absurdo de entregar o campus para a iniciativa privada. Esse “projeto” tem sido levado por trás dos panos. Vão o tocando o “projeto” como se a comunidade estivesse de acordo mas não. A ninguém interessa entregar o campus assim! Roberto Leher assinou um contrato com o BNDES em 2018, pouco antes de transferir o cargo, sem fazer uma consulta ampla com a comunidade universitária. Esse “projeto” só interessa a empreiteiras, e quem vai lucrar ou já está lucrando com ele. Não vai fazer bem nenhum para a universidade, pelo contrário. Esse assunto deve ser encerrado o quanto antes: A UFRJ NÃO DEVE CEDER 1 MILÍMETRO DE TERRENO PARA EMPREITEIROS!

  7. Evaldo Freire disse:

    Querida Sônia,

    Parabéns pelo brilhante trabalho à frente da defesa do reais interesses da população carioca! Evidentemente que a proposta apresentada pela UFRJ, do jeito como está, exige muitos esclarecimentos prévios antes que qualquer medida séria possa ser tomada a respeito.

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