Quiosques na praia do Rio: quem e como se pode ter um?

Sem transparência e disponibilidade de informações sobre os negócios públicos, a Prefeitura do Rio continua na era do atraso institucional

Uma notícia e um artigo jornalístico sobre quiosques na orla do Rio foram objeto de grande surpresa: a primeira foi a notícia publicada de que o prefeito da Cidade, e o seu secretário de Fazenda (candidato à renovação de seu mandato de deputado federal) teriam feito a “doação”, por concessão para exploração econômica até 2030 à família do congolês morto, Moïse Kabagambe, de um dos quiosques onde ele foi assassinado.  

A segunda matéria foi o artigo jornalístico de Joaquim Ferreira dos Santos, publicado no O Globo, onde ele retrata a absoluta desordem e o descontrole da exploração dos quiosques na orla do Rio, o que afeta gravemente a paisagem da Cidade e o acesso dos usuários à livre circulação no calçadão.

As duas notícias estão conectadas não só pelo objeto tratado – os quiosques –, como também pelo fato de que ambas são o reflexo da absoluta falta de transparência da Prefeitura do Rio no tratamento da questão.

Se o cidadão quiser saber quantos são os quiosques licenciados, onde, para quais atividades, com quais limitações, por qual preço mensal ou anual, e quem é o responsável/beneficiário da concessão, qual o prazo da exploração comercial e qual a licitação pela qual a obteve, pode ter certeza que não obterá nenhuma destas informações facilmente no site da Prefeitura[1]. Afinal, quem são os beneficiários dos imóveis e bens públicos na Cidade, e como eles foram escolhidos?

Por isso fica a questão: como o prefeito (acompanhado de seu secretário/candidato) teria decidido, pessoalmente, “compensar” a perda fatal da família de Moïse com uma “doação” por concessão para exploração de um bem público?  Ou não foi a Prefeitura, mas sim a empresa Orla Rio,[2] concessionária privada para exploração econômica dos quiosques da orla do Rio, que resolveu trocar o operador do quiosque, cedendo-o à família de Moïse? Qual o critério da empresa concessionária para a escolha dos operadores e o seu controle de qualidade? E quem são eles? E se foi a concessionária, quem mudou o operador, por que as notícias dizem que foi o prefeito e seu secretário-candidato?[3] 

 

Documento de concessão do quiosque à família de Moïse — Foto: Henrique Coelho/G1 – Clique sobre a foto para ampliar

A questão da exploração e gestão dos quiosques na orla das praias da cidade é uma questão pública da ordem urbana e da paisagem da Cidade.

E, por isso, a transparência e a disponibilidade das informações são fundamentais para permitir não só o controle das ações da Prefeitura e de seus agentes políticos, como também o controle da forma de prestação da concessão pelo concessionário, os valores envolvidos e, sobretudo, o controle social pela população.

No Rio tudo ainda está envolto pelo manto do segredo. E o governo da Prefeitura sabe que não dar transparência aos dados das concessões para exploração de espaços públicos, como as bancas de jornais, bancas de flores e de serviços, ocupação das calçadas por mesas e cadeiras por bares e restaurantes, permite que esses negócios sejam feitos sem que a população fique a par de quem é o beneficiário e o quanto a Cidade perde ou ganha com isso.  E, com isso, os agentes políticos gestores ficam livres para negociar eventuais favores e liberalidades às quais a população desconhece os termos.

E qual a consequência? Aí é o caos autorizado e reclamado por Joaquim F. dos Santos, quando este chega a um limite insuportável.

Mas, como chegamos a isso? Por que temos tanta dificuldade em acionar os órgãos de controle – Controladoria, Tribunal de Contas, Ministério Público? Um dos motivos é a falta de disponibilização à informação organizada sobre negócios públicos no Rio.

A Prefeitura do Rio, e seus gestores, para se denominarem “modernos” precisam sê-los na na prática: isto significa, antes de tudo, dar acesso, pelo ainda antiquado site da Prefeitura de forma simples, de forma direta a todas a informações de interesse público, especialmente em relação aos contratos e condições de uso das concessões de espaços públicos.

Sem isso, é só falatório de político fazendo-se de bacana na grande mídia.E nós, inocentes, achando legal!

Leia também:

Os segredos do licenciamento urbanístico-ambiental no Rio e as “fake news”

[1] A página da Prefeitura que pretende informar sobre “Concessões e PPs” menciona apenas algumas concessões de uso de espaços públicos, e, ainda assim, quando se clica em qualquer delas aparece “NÃO ENCONTRADO”! 

[2] No site da empresa na internet não há informações sobre quem é o dono da mesma, nem as condições do contrato, nem o nome dos operadores, nem sua responsabilidade.

[3] Algumas dicas sobre o imbróglio que envolve a Orla Rio, a Prefeitura, os locatários dos quiosques e a Justiça pode-se vislumbrar na matéria publicada pelo OG, hoje. 

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