Rio: A proposta de venda da Escola Dr. Cícero Penna é a ponta de um iceberg sobre o destino do patrimônio municipal

Escola Pública Dr. Cícero Penna (E) e “Horta do Vinil” (D) – Fotomontagem Ascom SR

A recente proposta legislativa de venda da escola pública Dr. Cícero Penna, no bairro de Copacabana, na Zona Sul do Rio, desencadeou grande reação do cidadão carioca, que não compreendeu como poderia o chefe do Executivo municipal simplesmente se desfazer de uma escola pública, um patrimônio dado à Cidade.

Uma multidão se mobilizou contra esta venda, e vereadores na Câmara Municipal se fartaram em fazer discursos, vídeos, posts em mídias sociais, e até um projeto de lei para tombar o imóvel por interesse educacional em função dos anos a serviço ao ensino carioca. Mas, pouco importa, pois na política o importante é o que parece ser para o “distinto público eleitor”, e não o que é.

A verdade é que, no projeto de lei, que incluiu o jabuti da venda da Escola Dr. Cícero Penna, estão mais 14 imóveis municipais que somam, ao todo, 67.666,68 m2 de patrimônio público. Alguns talvez sem uso, outros com uso comunitário, como o pedaço de um deles onde fica a “Horta do Vinil”, no Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste do Rio, que dizem ser uma praça que a comunidade local teria transformado e cuidado como um espaço de agroecologia.

Mas, quase todos os imóveis propostos para venda, certamente, passaram a integrar o patrimônio público municipal por destinação legal, decorrente de projetos de loteamento que tinham obrigação de dar parte do terreno a ser loteado a equipamentos urbanos e comunitários e à vias e infraestrutura urbana.  Por isso, precisam de uma lei, uma autorização da Câmara, não só para vender, como também para fazer uma mudança de destinação de patrimônio público para patrimônio privado.

Cabe indagar: que tipo de informação a Prefeitura deu à Câmara para que esta deliberasse sobre a venda desses lotes? A resposta é: nenhuma, que seja efetiva e relevante.

A própria mensagem que encaminha o projeto é desrespeitosa para com a inteligência dos vereadores, e também dos cidadãos cariocas, que não veem nela nenhuma explicação plausível para entender a motivação da venda. Os cariocas devem se contentar, pelo visto, com mensagens postadas nas redes sociais do deputado-secretário de Fazenda, Pedro Paulo, que repete a ladainha da necessidade de “fazer caixa”. Vale conferir a mensagem legislativa encaminhada, cujos trechos destaco abaixo.

A mensagem informa como estes lotes vieram parar no patrimônio do Município? Não. A mensagem informa se o lote está atualmente vazio ou tem algum uso previsto em termos do seu planejamento urbano local? Não. A mensagem informa qual o cálculo inicial se pretende arrecadar com cada lote? Não. A mensagem informa qual o destino do dinheiro da venda dos lotes; se vai ser destinado ao pagamento de servidor, ou aplicado em investimento de capital ou infraestrutura do Município? Não. A mensagem informa se os lotes poderiam ser trocados por outros lotes em outras áreas da cidade carentes em terrenos públicos para dotá-las de equipamentos públicos como escolas, bibliotecas públicas ou pontos de cultura, áreas de lazer, áreas de esporte, postos de saúde? Não. A mensagem informa se estes lotes poderiam ser permutados por outros lotes destinados a projetos de habitação social? Não. A mensagem informa porque há especificação de índices urbanísticos para estes lotes, e se estão diferenciados daqueles onde os lotes estão inseridos? Não.  A mensagem informa se a venda de lotes e a especificação de índices urbanísticos passou pelo Conselho de Política Urbana (COMPUR)? Não.

Então, sem estas informações mínimas e básicas qualquer deliberação da Câmara Municipal acerca de venda deste enorme patrimônio público é um vôo cego; mais um cheque em branco que os vereadores darão, em nome dos cariocas, ao prefeito da cidade.

A venda da Escola Dr. Cícero Penna é apenas a ponta do iceberg, diante do que pode ser a dilapidação de um precioso patrimônio fundiário do Município, sem que se tenha qualquer controle sobre as suas alternativas de uso, ou, nem mesmo, sobre a destinação do dinheiro arrecadado.

O Prefeito, como sabemos, pode propor o que quiser e como quiser à Câmara de Vereadores para tentar fazer as suas vontades voluptuárias através do patrimônio público. Resta saber se a Câmara vai continuar fazendo firulas, com propostas festivas de tombamento ou ter um pouquinho de independência do Executivo e fazer um substitutivo decente sobre as condições e formas de venda do patrimônio municipal destinado ao uso público e comunitário da cidade.

Mensagem com trechos destacados: PLC 16/2021

Excelentíssimo Senhor Vereador Presidente
Excelentíssimos Senhores Vereadores da Câmara Municipal do Rio de Janeiro,

Dirijo-me a Vossas Excelências para encaminhar o incluso Projeto de Lei Complementar que “Desafeta, autoriza a alienação e define critérios de uso, parcelamento e edificação para as áreas municipais ou de órgãos públicos municipais que menciona e dá outras providências”, com o seguinte pronunciamento.

O presente Projeto de Lei Complementar estabelece novos critérios, normas de uso e de ocupação do solo, com atualização da legislação urbanística a fim de organizar, revitalizar e dinamizar as áreas envolvidas, de modo a acompanhar as novas tendências da cidade.

A norma aqui proposta recai sobre os próprios municipais e bens de órgãos municipais cuja legislação urbanística aplicável pode ser considerada em situação de descompasso com imóveis ao redor. Assim, enquanto algumas áreas públicas chegam a carecer de parâmetros e, por conseguinte, de atratividade mercadológica, bens particulares lindeiros assumem posição de supremacia. Idêntico raciocínio recai sobre o patrimônio dos órgãos públicos tratado neste Projeto de Lei Complementar.

Nesse passo, ao se conferir parâmetros tais como os dos imóveis do entorno, se daria inclusive, em maior ou menor grau, efetividade ao comando constitucional da função social da propriedade.

Ainda, como consectário do estímulo do uso e ocupação, os locais teriam majorado o aporte de investimentos e fomentado o mercado de trabalho. Nesse contexto, não se pode olvidar que o desenvolvimento da cidade propiciaria um ambiente favorável para aceleração do crescimento econômico.

Adicionalmente, a alienação dos bens, mediante a necessária desafetação, atualmente inservíveis à Administração Pública, promoveria o incremento da arrecadação, fundamental instrumento no conhecido cenário atual, e, a outro giro, transferiria, em caráter definitivo, o ônus da manutenção a terceiros. De modo indireto, uma vez transferidos os imóveis pelo Município ou por órgãos municipais, sobreviriam fatos geradores tributários, tais como o de Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU, Imposto Sobre Serviços – ISS, conforme o caso, e Impostos de Transmissão de Bens Imóveis – ITBI, na eventual ocorrência de alteração da titularidade subsequente.

Outrossim, é lícito reconhecer que a utilização dos imóveis pelos respectivos adquirentes daria azo à criação de postos de trabalho, seja em virtude das empreitadas que porventura vierem a ser executadas, ou por conta das ocupações que se derem aos bens.

Em linhas gerais, portanto, os bens que não atendem suas finalidades essenciais e cujas transferências de titularidade não comprometeriam a prestação dos serviços públicos se apresentam enquanto fontes de receitas direta – oriunda do pagamento da oferta no procedimento licitatório – e indireta – recolhimento de tributos – e subsidiariam o Poder Público no atendimento, à luz da legislação aplicável, das demandas da cidade.

Contando com o apoio dessa ilustre Casa Legislativa à presente iniciativa, colho o ensejo para solicitar, na forma do art. 73 da Lei Orgânica do Município do Município – LOMRJ, sua apreciação em regime de urgência e renovar meus protestos de elevada estima e distinta consideração.

Eduardo Paes

2 Resultados

  1. Pedro Pinho disse:

    Mais uma privataria. Crime de agentes da banca contra a população. Agora é coisa do sempre tucano-demista Paes contra os ingênuos cariocas. Fora!

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