Calor nas cidades: está nos planos?

A professora Eleonora Sad de Assis, da Universidade Federal de Minas Gerais, ministrou durante o Seminário de Impacto de Vizinhança promovido pela FAM-RIO (Federação das Associações de Moradores do Município do Rio ) e pelo Senge-RJ, uma maravilhosa palestra sobre o quanto desconsideramos o calor que produzimos nas cidades. Eis alguns pontos que, suscintamente, anotei de sua exposição:

Nossas cidades são hoje, mais do que nunca, verdadeiros ‘hot places‘: lugares de concentração de calor, “ilhas de calor”. Em nosso planejamento urbano, quando ele existe, não consideramos essa importante questão, e que decorre, fundamentalmente, do modo que construímos, ou permitimos que sejam construídas as cidades. Deste modo, este não é um tema de interesse pensado, e regulado pelo planejamento urbano. 

Em países como Alemanha, isso já é feito através dos denominados ‘mapas climáticos’. Portanto, é o “padrão alemão” de planejamento urbano que queremos como referência, no caso.

Hoje, já há uma razoável produção de estudos, no mundo e no Brasil, sobre produção de calor nas cidades, e sobre as formas de amenizá-lo. Suavizar o calor produzido pelas cidades (hot places) não só é essencial para a qualidade de vida dos cidadãos – qualidade esta que é uma diretriz do planejamento urbano, contida no Estatuto da Cidade -, mas também, é importante como forma de economia de energia, e proteção de nossa flora e fauna urbanas.

A economia de energia em cidades tropicais repercute não só na economia do precioso bem público que é a água, como também para evitar seu consumo excessivo pelos meios de refrigeração. Se a refrigeração interna dos ambientes alivia, por um lado, o conforto interno dos mesmo, por outro lado é um fator que agrava o calor do lado de fora, sacrificando o chamado “conforto térmico do usuário em área externa.”

O fechamento de varandas e as grandes muralhas no Rio

A forma de construir prédios verticalizados, e sem o devido estudo dos ventos, da insolação, da permeabilidade do solo e dos revestimentos reflexivos de calor são fatores que agravam o aumento de calor relativo em determinadas áreas da cidade. Os edifícios produzem, segundo a professora, calor estocado e calor antropogênico, isto é, produzido pela atividade do homem.

No Rio, por exemplo, se produz lei, de iniciativa de um grupo de vereadores que, sem qualquer estudo específico, pretende permitir o fechamento de varandas em balanço, que seriam formas de passagem de ventos… E, na área portuária do Rio, poderemos ter em breve, pela altura (gabarito) dos prédios ali permitidos, a construção de uma verdadeira muralha à passagem dos ventos, que poderá agravar ainda mais as inversões térmicas e a poluição do ar sobre a cidade.  

Estudos foram feitos sobre o assunto? Não! O planejamento da área, ao liberar licenças, está pedindo estudo de impacto de vizinhança para avaliar o desconforto ambiental a ser produzido na região? Não! Ignorância ou atraso? Não sabemos.

Portanto, é necessário uma nova agenda no planejamento urbano que leve em consideração este ônus ambiental produzido pela atividade construtiva nas cidades. Isso é possível com um planejamento dinâmico, que preveja e exija a diminuição da dependência e do uso intensivo de recursos ambientais externos, a reciclagem de materiais, usos mistos e diversificados, cobertura arbórea intensa, manutenção dos cursos d´água urbanos, reciclagem de materiais, cuidados com  materiais de revestimento das construções, opção por transportes coletivos, dentre outras medidas. 

Se as cidades representam uma realidade irreversível, e se a conhecimento da tecnologia nos dá enormes possibilidades de ocupar o território da cidade de forma densa, devemos fazer força para superar nossa ignorância em outros setores, sobretudo no que diz respeito ao conforto ambiental coletivo, e ao planejamento climático nas cidades, especialmente nas áreas metropolitanas.

Ou seja, podemos achar que sabemos e podemos muito em matéria de construção. Mas vislumbramos que pouco sabemos sobre as consequências do enorme desconforto ambiental externo produzido pelo ímpeto, e pela forma inconsequente através da qual, até o momento, ocupamos o espaço urbano.

Outras referências citadas pela Professora Eleonora Sad de Assis:

Urbanismo Bioclimático – Ester Higueiras, e Raoul Kotanyi 

Arquitetura Bioclimática do Espaço Público – Marta Romero

IBAM – Guia Técnico sobre conforto ambiental, planejamento urbano

Leia também:

Varandas fechadas: uma lei sem planejamento urbano

Perimetral ou Trump Towers ?

 

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2 Resultados

  1. Gradativamente, casas no entorno das quais existiam áreas permeáveis e com vejetação, foram sendo substituidas por edifícios, circundados por áreas pavimentadas e impermeáveis para servir de estacionamento de automóveis.
    Prédios antigos (como o meu na Gal.Glicério), tiveram jardins gradativamente substituídos por áreas pavimentadas e impermeáveis para servir aos automóveis e não às crianças e ao clima.
    A vejetação existente nas encostas, foi pouco a pouco sendo substituida por casas.
    Ruas, pavimentadas com paralelepípedos com frestas entre eles (como era a Gal.Glicério antigamente…), que permitiam a infiltração da água da chuva, foram gradativamente substituidas por rua pavimentadas com asfalto.
    E queriam o que? que ficasse mais frio? Que a cidade ficasse mais confortável e humana?

  2. E ruído pode? Já discutiram por que fecham as varandas?
    Já pensaram em discutir o ruído nas cidades? Fiscalização de motos com escapamento aberto como se estivessem numa “race”, nos bairros de Copacabana, Ipanema , Lagoa e Tijuca por onde circulo, não vejo ninguém usando ou aproveitando as varandas abertas, espaço ocioso devido ao nefasto ruído. Vejo apenas espaço para guarder bicicletas e carrinhos de bebe. Inclusive as janelas e portas estão sempre fechadas. Não é possivel desfrutar desses espaços nem mesmo de uma janela aberta para os logradouros. Porque não discutem sobre aplicar a legislação anti ruido com multas e placas nas motos de forma visivel para os guardas de transito. Com o aumento de motos nas ruas com escapamento aberto, veremos cada vez mais varandas sendo fechadas. Onibus soltando fumaça que conforto! Em Berlim , onde estive, todas as variaveis são consideradas, Não apenas a de varandas abertas. Proibir o fechamento de varandas, no Rio de Janeiro em certos bairros e ruas é uma penalizacão aos proprietaries de apartamentos. Em Berlim os bairros são amplos e verdes e o transito é extremamente respeitoso. Então não permitam varandas por aqui, pois olhem para cima! Não funcionam. Observem e pensem antes de emitir opiniões preconceituosas.
    Helena

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