Entrevista exclusiva com a Vice Diretora do Hesfa

Confira este logo a íntegra desta entrevista exclusiva com a Vice Diretora do Hesfa, a professora Maria Catarina Salvador

Quais as atividades e procedimentos desenvolvidos pelo Hesfa?

Atualmente, nós temos os serviços de diagnóstico e tratamento para portadores de HIV, uma unidade de reabilitação que trabalha com crianças com síndromes ou deficiências motoras, em parceria com a Faculdade de Fisioterapia, e a reabilitação adulta voltada, por exemplo, para pessoas com sequelas de acidente vascular cerebral, entre outras.

Temos a unidade para a terceira idade com uma proposta que envolve várias atividades, objetivando tanto o preparo para a vida diária e as questões de saúde quanto a prevenção de acidentes. Nesta unidade temos as oficinas da memória, de prevenção de acidentes na cozinha, de artesanato, além do coral e o grupo de dança, por exemplo. Dispomos também de um serviço muito interessante de atenção aos idosos, uma vez que existem poucas unidades no Rio de Janeiro que ofereçam esse tratamento, incluindo psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros e nutricionistas, por meio de um processo de acompanhamento que, particularmente no Hesfa, tem propiciado resultados muito significativos.

Outra unidade bastante procurada no hospital é a de Terapias Complementares – omo acupuntura, florais e auriculoterapia – que promove uma grande interatividade. Quem está na reabilitação, por exemplo, mediante diagnóstico, pode ser encaminhado para essas atividades de forma a beneficiar seu tratamento. É um serviço complementar que, muitas vezes, configura-se como um momento próprio em que a pessoa relaxa.

O Hesfa possui também uma unidade de cuidados básicos que envolve a cardiologia, a ginecologia – inclusive com prevenção de câncer de colo do útero e de mama – e os serviços de diagnósticos com endoscopia digestiva alta, raio-X, eletrocardiograma, laboratório de análises clínicas com uma grande produtividade, além da clínica médica, pediatria, entre outros.

Estamos, também, fechando uma parceria com o Município, que instalará aqui três equipes de Saúde da Família que prestarão assistência à região, incluindo os habitantes do Morro de São Carlos. Temos uma proposta, diferente das atuais, que é a de testar modelos estratégicos de atenção para centros urbanos e, mais do que isso, avançar para um programa de treinamento. Por equipe, serão treinados profissionais da área que irão atuar nas unidades de Saúde da Família.

Estive em Brasília este mês para um encontro sobre como as políticas públicas irão avançar na área da Saúde. Entre vários temas, foi abordado o relativo ao processo de certificação das equipes de Saúde da Família. Isso vem ao encontro do que estamos propondo, que é o ensino da atenção básica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Até então, os hospitais da universidade, que são nove, não davam conta dessa demanda, pois a universidade pública estava formando, em sua maioria, profissionais da área da Saúde para o mercado privado. O mercado público, que é o verdadeiro grande empregador, não tinha ainda o ensino sistematizado para que o estudante que saísse da Faculdade de Medicina, de Nutrição, de Enfermagem (…) tivesse uma prática no Sistema Único de Saúde (SUS) com a supervisão de professores. Ele até tinha prática no Centro Municipal, a unidade de Saúde da Família existia, mas sem a supervisão direta dos professores.

Trabalhamos aqui com estagiários, que são alunos das Faculdades de Enfermagem, Fisioterapia, Serviço Social, Psicologia, Nutrição e Farmácia. Só não estagiam aqui os alunos da Faculdade de Medicina, o que ocorrerá em breve com a implantação do Saúde na Família.

Isso é importante, porque um hospital universitário sem estudantes e sem professores deve ser fechado, não é? No ano passado iniciamos duas residências: uma multiprofissional em Saúde da Mulher e outra em Saúde da Família. Hoje temos 33 residentes das áreas de Enfermagem, Nutrição, Serviço Social, Psicologia e Odontologia.

A nossa proposta é transformar o Hesfa em um centro formador da atenção básica, priorizando a estratégia de Saúde da Família.

Podemos observar que alguns prédios foram interditados. Quais as implicações disso no cotidiano do hospital?

De fato, tivemos de fazer algumas mudanças, pois, em 2010, alguns prédios foram interditados, em razão do surgimento de grandes rachaduras. Solicitamos a avaliação do caso ao órgão responsável da UFRJ. Há pouco tempo, tivemos mudanças no terreno com a abertura do Metrô e a construção de grandes prédios no entorno, o que pode ter afetado a estrutura das unidades mais novas do Hesfa.

Já as construções mais antigas, tombadas, não têm esse problema, mas apresentam outro: a precariedade do telhado, local por onde começará o restauro. Um prédio, por exemplo, foi desativado, pois chovia dentro da sala.

No ano passado, a UFRJ liberou recursos para a reforma do telhado, mas ela ainda não aconteceu em razão do processo de licitação. As empresas selecionadas não apresentaram a documentação necessária. Agora estamos aguardando.

Quanto às implicações desse problema, conseguimos contorná-las fazendo alocações em outros prédios, buscando ajustar as atividades da melhor forma. Mudamos a unidade de reabilitação e a unidade especializada no atendimento ao portador de HIV. Para esta última, conseguimos um espaço restaurado e que só precisava da refrigeração, no bloco 1.

Já a unidade de reabilitação veio transferida para o bloco 7. Por exigir aparelhos específicos, acessibilidade, entre outros, e estar no segundo andar, nos vimos diante das dificuldades apresentadas por um elevador antigo, que funciona precariamente Por isso, essa unidade foi bastante prejudicada, mas continua funcionando.

E quais as demais dificuldades enfrentadas pelo hospital atualmente?

Hoje temos duas grandes dificuldades que não são novas: a estrutura física, a exemplo do que foi citado, e o quantitativo de pessoal que é muito pequeno. Temos um total de 180 funcionários, além dos trabalhadores, terceirizados pela UFRJ, que fazem a limpeza e segurança.

Os problemas estruturais são visíveis e representam grandes dificuldades para um melhor aproveitamento. Ainda assim, conseguimos manter um hospital que é antigo, porém limpo, mesmo sem as condições ideais de funcionamento.

Até que ponto estes problemas interferem no serviço dos profissionais de Saúde, no atendimento dos pacientes e no próprio aprendizado dos universitários?

Esta é uma questão interessante. Trabalhar num prédio sem estrutura traz automaticamente uma desmotivação. Com isso, o nosso trabalho para incentivar o funcionário é muito maior do que se fosse num prédio “comum”. Aqui, isso deve ser feito de uma forma um pouco mais intensa. Todos nós temos uma responsabilidade e, mesmo com as dificuldades, temos que primar pelo hospital.

E, ainda com tudo isso, os pacientes se mostram imensamente satisfeitos com o atendimento, pois, se por um lado, a estrutura não é das melhores, de outro, os profissionais de Saúde que aqui trabalham estão altamente empenhados. O atendimento acaba sendo diferenciado. Temos conhecimento de pacientes que se tratam no Hesfa há mais de 20 anos.

Outro serviço que não citei anteriormente é o de cuidado de feridas crônicas. São pacientes cujo tratamento leva anos e, se não fossem bem tratados, isso aqui seria certamente um tumulto diário. E não é que podemos observar. Este diferencial que citei, esta humanização no atendimento, motiva os pacientes a continuarem vindo ao hospital, mesmo ainda sem a oferta da estrutura física desejada.

É de conhecimento público que, por vezes, a UFRJ não dispôs de verba suficiente para manter esta unidade de Saúde, obrigando o hospital a pedir ajuda ao Sistema Único de Saúde (SUS). Por outro lado, o Sistema alegava que vocês integravam o Complexo Hospitalar da universidade, e logo a responsabilidade não seria diretamente dele. Hoje ainda existe este impasse?

Não posso dizer que essa informação seja totalmente correta. Nós temos uma dificuldade, que não é privilégio do Hesfa, e que diz respeito ao material permanente. Se eu quiser comprar um ar-refrigerado, um armário, ou um equipamento, por exemplo, tenho muitas dificuldades. Agora, não temos problemas de falta de verba para a execução de um serviço ou aquisição de material de consumo. Estamos aqui há dois anos e nunca tivemos problemas em relação ao orçamento.

Se você perguntar se nós temos dinheiro sobrando, direi que não. Mas tenho um valor que posso contar. Ao longo do tempo, conseguimos recuperar e manter setores (seria este o termo?) como, por exemplo, restaurar cadeiras. Mas, volto a repetir, quanto aos equipamentos necessários à atividade didática, não temos recursos para adquiri-los. E essa é uma das nossas grandes dificuldades. Como podemos ter uma atividade de ensino de ponta sem a tecnologia?

Nosso equipamento de videoconferência nos foi disponibilizado através de um projeto do Ministério da Educação, mas esses materiais têm uma vida útil, pois se deterioram com o tempo. Mais um exemplo: não temos também como comprar um equipamento novo para o setor de endoscopia. Até ganhamos alguns equipamentos da Receita Federal e que nos têm ajudando muito. Mas as demandas ainda são grandes, incluindo até mesmo aparelhos de pressão. Seria interessante começarmos a trabalhar com a possibilidade de verba de bancada para que possamos ter uma qualidade maior dentro do hospital.

Atualmente estamos em auditoria interna da UFRJ, envolvendo as áreas contábil, financeira e de recursos humanos, o que é bom, pois assim temos um retorno.

Então com a receita destinada pelo poder público ao Hesfa está sendo possível não operar no vermelho, evitando a falta de medicamentos e insumos?

Sim. Mas, como foi dito, ainda temos serviços que precisam de recursos. Nosso mobiliário quase todo é bem antigo. Como não podemos investir nessa parte agora, nos esforçamos por conservá-los. Estamos movendo um processo grande para pintura das mesas e macas de ferro. Mas essas despesas, às vezes, somam o mesmo valor da compra de materiais novos. Mesmo assim, buscamos preços mais em conta e, principalmente, parcerias.

Qual a posição do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) a respeito das obras de restauração do hospital?

Quero destacar que o (IPHAN) sempre nos deu o apoio necessário, pois não depende dele a captação de recursos, e sim a aprovação dos projetos de restauro. Tivemos algumas reuniões com a UFRJ e o IPHAN. Eles (representantes do instituto) disseram que sabem da importância do restauro do Hesfa.

Politicamente existe uma confluência de fatores para que isso aconteça, mas o IPHAN já se comprometeu a se debruçar sobre o projeto, desde que tenhamos toda a documentação necessária e a aprovação de financiadores. E assim tem sido feito através de uma parceria bem interessante.

Procede a notícia de que em algumas ocasiões, mesmo sem condições de trabalho, os funcionários chegaram a comprar materiais, inclusive de fonoaudiologia e terapia ocupacional, ou que estes também teriam sido frutos de doações de pacientes?

Não tenho como confirmar a informação, pois muitas vezes se trata de equipamento permanente. Espero que isso não esteja mais acontecendo, mas não posso afirmar que não ocorra, uma vez que, como comentei, existe uma verdadeira motivação por parte dos funcionários. Contudo, posso afirmar que as informações sobre doações efetuadas por parte de pacientes não procedem, até porque não apoiamos nada nesse sentido.

Tudo que chega de solicitação de consumo, a gente pode comprar. Mas, repito, não dispomos de uma rubrica para a aquisição de material permanente. Quando chegamos aqui, lembro-me que, na acupuntura, as pessoas compravam as agulhas. Fui contra, pois tratava-se de material de consumo. Portanto, a obrigação de adquiri-lo era nossa.

Numa gestão passada, a então vice-diretora do hospital, Carla Luzia França, enfatizou que o Hesfa, naquela época, já enfrentava dificuldades em estabelecer uma interação com o Centro de Ciências da Saúde (CCS). Segundo a mesma, os docentes não se interessavam pelo hospital, “talvez pela visão que muitos (docentes ou não) têm de que aqui nada acontece”. Hoje, a situação ainda é a mesma?

A situação está mudando, mas vou explicar a razão disso: a disposição arquitetônica do hospital em blocos não favorece a interação dos serviços, e o que exigiu um trabalho a mais.

Os serviços eram prestados de maneira fragmentada. As unidades atuais já existiam, mas, em outras épocas, elas replicavam serviços prestados na UFRJ. Hoje, temos um plano pedagógico que já tramitou na universidade, e agora está na Reitoria: trata-se do ensino da atenção primária. Esta era a prioridade zero para a UFRJ.

A Universidade tem hospitais de grande porte, maternidade, instituto de psiquiatria, ginecologia, doenças do tórax, neurologia, cada um com sua prioridade. Mas e o Hesfa, qual era a sua prioridade? Então buscamos isso, até mesmo em virtude da própria história do hospital, criado para abrigar mendigos na época da Princesa Isabel.

Resolvemos oferecer à universidade este ensino da atenção primária, e nesse momento buscamos e conseguimos o apoio da Faculdade de Medicina e de várias outras. Oferecemos um “produto” que é necessário ao “cliente” fazendo com que ele saia do Fundão e venha para cá. O Hesfa está se firmando e concretizando essa linha de trabalho.

Como a senhora vê a questão do hospital, dependendo de mais verbas do governo federal, um convênio com o Município, ou outras parcerias, e ao mesmo tempo, obras cujas demandas são questionáveis, sendo realizadas nas três esferas governamentais?

Essa pergunta nos acompanha há algum tempo. Como foi dito, se eu precisar comprar um medicamento novo, um insumo novo, consigo fazer. Mas no caso de um aparelho de pressão, não.

No final de 2008, o Governo Federal iniciou as primeiras gestões junto aos Ministérios da Educação e o da Saúde. O MEC resolveu assumir os hospitais universitários federais, que estavam praticamente sob a responsabilidade do Ministério da Saúde, que adota o critério do atendimento à população.

O MEC não. Ele quer o ensino junto com o sistema de saúde, quer formação do pessoal nessa área. De 2008 para cá, iniciaram-se os projetos de reformulação e restauração dos hospitais universitários federais. Existe uma verba de R$ 200 milhões a ser distribuída em breve em três parcelas e divididas entre 45 hospitais.

Além disso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) estaria interessado em investir nos hospitais universitários federais. Percebemos que com esta mudança na qual o MEC “abre” e se chega, buscando conversar e negociar, só temos a ganhar.

O MEC planejou também um programa de cálculo de quantitativo de pessoal, com informações das unidades sobre o número de consultas, internações, procedimentos, e esta planilha é transformada de forma equivalente em leitos, determinando quantos funcionários são necessários para a manutenção dessa estrutura. Esperamos e torcemos para que dê certo.

Quanto à reforma dos prédios, ela foi aprovada pelo BNDES, remetida à Fundação José Bonifácio (da UFRJ), e que está trabalhando nas necessidades para a abertura da apostila, que é uma conta para o repasse. Esperamos que, em breve, este trabalho se inicie.

Os hospitais universitários precisam atender a população, mas também devem ensinar. Não podemos ficar só na expectativa do imediato. O que acontecerá com o nosso funcionário se ele não tiver a consciência de que um hospital universitário precisa transmitir e adquirir conhecimentos?

Temos que incentivar o mestrado, o doutorado, a especialização. É preciso incentivar o funcionário a se qualificar. Assim, tentamos avançar, mesmo com as dificuldades. Tudo muda quando existe uma proposta pedagógica.

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