O “novo” projeto para o Jardim de Alah afronta os direitos fundamentais do cidadão carioca

Fotomontagem Ascom SR (Foto (esq):Oscar Valporto / Divulgação (dir) )

É obrigação inafastável de todo proprietário de bem tombado não só a preservação, como também a conservação do patrimônio cultural tombado do qual é dono. É o que diz o art.19 do Decreto Lei nº 25/37, norma nacional que rege a matéria, e aplicável em todo Brasil desde a promulgação da Constituição Cidadã de 1988. Foi esta mesma Constituição que também reconheceu que o patrimônio cultural, assim reconhecido, é um DIREITO FUNDAMENTAL de todo cidadão.

Bem, por isso cabe a pergunta: como pode a Prefeitura do Rio alegar o próprio abandono na conservação do seu (nosso) patrimônio – o Jardim de Alah – bem de uso comum do povo, para que, com narrativas diversionistas de “recuperação”, “revitalização” da área, justificar a própria perfídia do seu descuido ao bem cultural público tombado?

E ainda: como poderá o órgão municipal, que cuida do patrimônio cultural da Cidade ter moral jurídica de exigir, futuramente, que proprietários privados conservem seus imóveis declarados como patrimônios da Cidade, exigindo telhados específicos, manutenção de tipologias e alturas internas e externas, cores específicas para pinturas, manutenção das áreas não edificáveis nos terrenos, se para os bens do próprio patrimônio tombado municipal estes critérios não valem, e não são exigidos e aplicados?

Se no Jardim de Alah, bem tombado municipal, – considerado um Jardim Histórico pela literatura especializada, um logradouro público de uso comum do povo -, puder ser autorizada uma construção alteada em mais de três metros do solo, com mais 7 mil metros quadrados brutos de lojas privadas (equivalente a 1/3 do Shopping Leblon, ou seja um andar inteiro do shopping), e mais auditório ao ar livre para 2500 pessoas, além de estacionamento subterrâneo, os proprietários de bens tombados poderão, a partir de então, recorrer à Justiça para ter igual tratamento. Basta que eles não se esqueçam de abandonar a conservação de seus patrimônios, justificando assim pedido de reformas aptas a financiar a “revitalização” de seus imóveis!

É por conta desta decisão administrativa teratológica, e que constitui um grave e ameaçador precedente para todo patrimônio cultural tombado e preservado da Cidade do Rio de Janeiro, que o Ministério Público Estadual, através do promotor Carlos Frederico Saturnino, ajuizou, em 15 de abril deste ano, uma nova Ação Civil Pública contra o Município do Rio de Janeiro e contra a empresa vencedora da concessão de uso da área da praça pública denominada Jardim de Alah.  Nesta ação está amplamente demonstrado que o tal projeto de “revitalização” DESCARACTERIZA sim, o bem tombado, e assim sendo descumpre frontalmente o art.17 do Decreto-lei 25/37 que diz:

Art. 17. As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruías, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cincoenta por cento do dano causado.

Ou seja, sem tergiversar com interpretações falaciosas da lei, as coisas tombadas hão de ser restauradas, isto é, conservadas.  E, se o atual governo da Cidade não quer mais conservar o seu (nosso) Jardim histórico tombado, deve assumir, com clareza e hombridade, o destombamento da área, para ali fazer um outro projeto de jardim comercial – metade shopping, metade jardim!  Isto porque a opção de manter o tombamento, e justificar falaciosamente a sua descaracterização é um duplo mal para o interesse público: perder-se-á não só o jardim histórico, como também a moralidade e a legitimidade dos tombamentos municipais na cidade!

Deste modo nós, cidadãos, estamos na iminência de ver nosso direito fundamental ao patrimônio cultural ser suplantado pelo falso discurso jurídico de que o gestor público teria discricionariedade para fazer quaisquer escolhas de gestão do patrimônio público, mesmo que fora dos parâmetros legais da Administração Pública e das garantias constitucionais do cidadão.

Será que podemos contar com a Justiça para garantir que esta história não vire um desastroso precedente, que poderá arruinar a dura construção da preservação do patrimônio cultural da Cidade do Rio?

Artigo publicado no Jornal do Brasil e no Portal JUS

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