A concessão do Jardim de Alah, judicialmente contestada, seria temerária?

A Prefeitura do Rio anunciou para esta quarta-feira, dia 8, a assinatura do contrato de concessão do Parque público Jardim de Alah à empresa privada Accioly Empreendimentos e Entretenimento Ltda. Atitude surpreendente e, talvez, administrativamente temerária, uma vez que a licitação que gerou o contrato a ser assinado está sendo contestada diretamente, até o momento, por quatro ações judiciais: uma Ação Popular (AP), promovida por três cidadãos da Cidade, uma Ação Civil Pública (ACP), promovida pelo Ministério Público Estadual (RJ), um Mandado de Segurança e uma Ação Anulatória da licitação, ambas promovidas pela Duchamp Administradora de Centros Comerciais S.A que participou, como interessada, na referida licitação. 

Há, ainda, uma quinta ação que determina que o Município e o Metrô recuperem o Jardim deteriorado pelas obras ali realizadas na época da Olimpíada, cuja decisão do STJ ainda não foi cumprida!

O que estas quatro ações judiciais têm em comum? Todas contestam a validade da licitação promovida pelo Município. Cada uma delas por motivos jurídicos um pouco diferenciados. As duas primeiras, a Ação Popular e a Ação Civil Pública, com fundamentos de interesse público, com ênfase no descumprimento da Lei Orgânica do Município e outras leis municipais; as outras duas – o Mandado de Segurança e a Ação Anulatória – contestam o julgamento da licitação e a forma “subjetiva” e, portanto, ilegal da avaliação das propostas dos licitantes, feita pela Comissão de Licitação da Prefeitura.

Quem, em sã consciência, prosseguiria com a assinatura de um contrato de mais de R$ 100 milhões tendo, até o momento, quatro ações judiciais que diretamente o contestam? Excesso de confiança ou amor ao desafio, ao temerário ?

E é bem provável que outras ações judiciais surjam, já que o projeto de ocupação privada e de edificações para o Parque público, que é tombado, propõe claramente a sua descaracterização, o que é vedado pelo tombamento. Além disto, o projeto afeta o entorno da área de amortecimento do patrimônio mundial: a Lagoa Rodrigo de Freitas, e as praias de Ipanema e do Leblon. Que órgão patrimonial terá a coragem de licenciá-lo? Com quais argumentos? Será que o prefeito usará o subterfúgio de destombar o Jardim de Alah, tombado pelo seu antecessor, o ex-prefeito César Maia, só para viabilizar o seu projeto de edificações comerciais no local? Nada é impossível de supor, a esta altura da obsessão.

Há ainda a seríssima questão ambiental do tratamento do estuário das águas do canal natural do Jardim de Alah, que faz o trabalho de desague da Floresta da Tijuca, e a comunicação ambiental da Lagoa com o mar.  Neste ponto, a questão é dramática, pois as edificações comerciais propostas para o local podem comprometer definitivamente o estuário das águas dos rios que vem da Floresta da Tijuca, e que desaguam na Lagoa, fazendo um movimento de retroalimentação com o mar.  Seria dramático para o meio ambiente local, e para a Cidade, prosseguir qualquer projeto de ocupação urbana da área do Jardim sem um profundo estudo de impacto ambiental e de vizinhança!

Por isso, não há qualquer dúvida que outras ações judiciais virão, já que o licenciamento na Prefeitura – ambiental, urbanístico e patrimonial – será dado, pois será conduzido pela vontade ideológica e marcial da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Urbanístico, que atualmente dá a palavra única e final nos licenciamentos da Prefeitura do Rio. É carta certa neste baralho.

As ações judiciais, repita-se, virão e prosseguirão, apesar de quem reclame das judicializações. Mas, em casos como este, em que as propostas são desafiadoras em relação aos interesses públicos fundamentais do urbanismo, do meio ambiente e do patrimônio cultural, elas são necessárias e bem-vindas.

Só assim, quem sabe, a Prefeitura do Rio deixe de vez o triste hábito das intervenções sem estudos e sem planejamento adequado, evitando que, futuramente, nós cidadãos, tenhamos que, mais uma vez, pagar a conta do “leite derramado”, em virtude das obras rápidas e mal feitas do governo municipal.

Nota: para ilustrar o movimento do canal, não deixe de assistir o vídeo postado no Instagram  sobre a tomada do mar no último domingo, dia 5, com o comentário de um especialista, o engenheiro Paulo Cesar Roman sobre o assunto.

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