Reajuste ou aumento de servidores públicos federais?

É justa a alteração da remuneração de vários grupos de funcionários* públicos federais dados por leis em julho deste ano?

O que acontecerá se o Supremo Tribunal Federal reconhecer o direito à revisão geral anual de todos os funcionários públicos, pleiteado no Recurso Extraordinário nº RE 565089 de 2007, e ainda não julgado?  Esta alteração de remuneração será compensada?

foto1Vejamos o imbróglio que se arrasta há anos, e que deveria distinguir aumento de vencimentos da sua revisão anual. Esta distinção é fácil e lógica.

Os vencimentos,  ou a remuneração de todos os funcionários públicos é fixada somente por lei, em padrão monetário da moeda – “X” reais, –  vedada qualquer vinculação a índices (art.61, II, a c/c art.37, XIII da CF).

Desta forma, o valor fixado em reais pode perdurar imutável por anos, e se não for reajustado, pode ser corroído paulatinamente pela inflação anual. Por isso, o art.37,X da CF distinguiu, ressalvando, a “alteração da remuneração” a ser feita por lei, da “revisão anual geral, sempre na mesma data e sem distinção de índices”.  

Por decorrência óbvia do texto constitucional, o reajuste anual geral não precisa de lei anual para ser deferido.  Ele pode ser feito por decreto, desde que uma lei geral fixe a forma e os limites de como o Executivo deve fazê-lo. É o que acontece no Município do Rio de Janeiro há mais 20 anos.

E é através desta revisão anual e geral para todo o funcionalismo que se garante que a remuneração do servidor continue a mesma; isto é, não seja, de fato, diminuída pela corrosão da inflação anual que, mesmo pequena, se acumulada por anos, altera substancialmente seu real valor aquisitivo.

Efetivo valor real do padrão remuneratório

É elementar que se a Constituição garante a irredutibilidade da remuneração (art.37, XV da CF), não se pode fraudar a finalidade da norma pelo não deferimento de sua revisão anual geral; esta foi a fórmula pela qual a Constituição Federal garantiu o efetivo valor real do padrão remuneratório, através da reposição das perdas inflacionárias.

Mas, desde que a Constituição de 1988 foi promulgada, (e irá completar 28 anos em outubro), e que inciso X do art.37 passou a garantir a revisão anual geral aos funcionários públicos da União, Estados e Municípios, estes buscam, na Justiça, fazer valer este direito constitucional.  

Sem ele, a negociação da remuneração dos funcionários fica ao alvedrio de negociações e circunstâncias políticas do chefe do Executivo, de agrados do Legislativo e de pressão do Judiciário. Tudo completamente indesejável; mas é o que acontece há décadas  (veja nosso blog anterior).

No final do mês de julho de 2016 foram aprovadas no mínimo cinco leis federais concedendo modificação de valor da remuneração de inúmeras categorias de funcionários públicos federais. Foram várias leis, para vários grupos. Ficamos sem saber se todos os funcionários da União foram contemplados. Talvez sim, talvez não.  

Da forma como estas leis foram editadas, podemos afirmar que elas não materializaram um índice geral de reajuste, e, com isso, se descaracterizaram, ao menos frente à opinião pública, como uma revisão do padrão de vencimento corroído pela inflação.  

Mas, até onde sabemos, esta alteração de remuneração foi dada, na maioria dos casos, não para aumentar, de fato, a remuneração dos grupos, mas para compensar a inflação de diversos anos anteriores, nos quais estes servidores federais ficaram sem a sua revisão anual.  Estas leis foram fruto de negociações geradas por greves nos anos anteriores em que os reajustes não foram pagos. (veja os links de notícias no leia mais).

Os reajustes não deferidos foram se acumulando para todos os funcionários públicos federais, e agora foram divididos para serem pagos em parcelas nos próximos anos. Com isso aplacou-se, apenas parcialmente o problema destas categorias. Isso porque se a inflação continua de agora em diante, o problema da remuneração corroída por ela também.

E a revisão geral anual ? – As leis federais concederam revisão de remuneração apenas a categorias de funcionários públicos federais; fato compreensível, já que a União tem sempre mais possibilidade de obter recursos para tal.  E os milhares de servidores estaduais e municipais?  Como eles ficam?

Portanto, o que resolverá o problema será a decisão do STF, no RE 565089. Mas, será que os Ministros, saciados pela alteração da remuneração dos funcionários federais e, quiçá, pela resolução dos vencimentos do Judiciário, terão a sensibilidade de dar efetividade à norma constitucional que, de forma clara e justa “assegura revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices” a todos os funcionários públicos brasileiros?

É ver para crer.

* Neste texto usamos o termo “funcionário público” para distingui-los de servidores públicos. Funcionários são aqueles que trabalham para o poder público federal, estadual e municipal, na administração direta, autarquias e fundações públicas, sob o regime estatutário.  Distinguem-se da categoria genérica de servidores, categoria esta que pode englobar empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista da União, Estados e Municípios, empregados que são regidos pelo regime da CLT.  Estes, os celetistas – empregados públicos – têm garantidos os seus reajustes salarias nos acordos coletivos, e/ou dissídios coletivos dirimidos pela Justiça do Trabalho, anualmente.  Os funcionários públicos estatutários, não tendo este mecanismo de arbitragem de reajustes, ficam sem mecanismo de revisão, se não for observado o que dispõe o art.37, X mencionado no texto.

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1 Resultado

  1. Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros disse:

    É impressionante a falta de responsabilidade de “representantes do povo” e “juízes do povo” no trato dos cuidados com o povo sob sua responsabilidade!
    Sempre me perguntei, e um dia numa reunião do IAB, fiz a pergunta aos desembargadores da mesa de conferência: Por que os srs, substituíram a denominação “Secretaria de Justiça” por “Secretaria de Segurança”? Segurança de quem? E quem não tem dinheiro para pagar advogado (a), contratar firma de seguranças, como fica?
    Por que existem funcionários públicos que determinam suas próprias variações salariais, enquanto outros FICAM nos bons ou maus humores de Legislativo e Judiciário? Por que os mais baixos salários são destinados aos “cuidadores da saúde, educação e atenção social do povo do Brasil”?
    O silêncio é sempre a resposta dos “mortos”. Também no Instituto dos Advogados do Brasil, o silêncio só foi interrompido pela risada da Desembargadora Salete Mackaloz, comentando: Vocês não dizem que eu sou radical quando pergunto isto? e a resposta?
    Excelente matéria, Sonia!!!!!!!
    Paz e saúde, Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros – Professora aposentada da UFRJ e UERJ

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