A preservação da memória arqueológica na Região Portuária do Rio

Foi triste ver a foto publicada nesta quarta-feira (20), Dia da Consciência Negra, em que a Prefeitura do Rio inaugurou uma placa no Cais do Valongo, contando com a presença de pouco mais de vinte pessoas.

O evento fora programado para iniciar um movimento, junto à Unesco, visando conferir àquele sítio o título de Patrimônio da Humanidade. Porém nem o prefeito ou mesmo o presidente do denominado Instituto Rio Patrimônio Cultural da Humanidade se fizeram presentes, o que demonstra, evidentemente, a falta de importância conferida ao assunto e ao acontecimento pelas autoridades.

Lembro-me quando, em 1º de março de 2011, falamos pela primeira vez sobre o “achado” do Cais do Valongo em nosso blog, sob o título de “Cais da Imperatriz: precioso legado cultural aflora no Porto do Rio”.  

Como dissemos em várias postagens posteriores, o Cais do Valongo fora aterrado para receber a Imperatriz Tereza Cristina. E, depois, como de costume, este também foi aterrado para receber mais construções urbanas e assim sucessivamente, até os nossos dias, característica da nossa cultura antropofágica.

O que me parece assustador neste discurso oficial da Prefeitura sobre o valor da cultura negra é que pouco, ou nada mais, se falou dos achados arqueológicos, naquela área. Como se o Cais do Valongo existisse  ali, único, sem nada mais em volta. Não, claro que não !  

Riqueza arqueológica: questões sem respostas?

Em outra matéria publicada em nosso blog, em 7 de maio de 2012, “Porto Maravilha é maravilha… debaixo da terra”, destacamos a pesquisa da professora Tânia Andrade Lima, do Museu Nacional – a qual a Prefeitura não deu prosseguimento -, de que a área de interesse abrange cerca de 2,5 quilômetros ! Portanto, muito mais extensa do que o atual pequeno quadrado do Cais do Valongo.Interesses imobiliários?

A região é cheia de ruínas arqueológicas. Importante ver a série de fotos por nós tiradas da Rua Camerino, onde mostramos várias ruínas arqueológicas de trapiches e que, hoje, por lá passando, encontram-se totalmente enterradas e desaparecidas !

Há também o famoso trapiche que fica embaixo do novo prédio do Banco Central. O que foi feito dele?  Foi preservado ou demolido?

Onde estão os seus registros e estudos? Quem os tem? O que fez o badalado Instituto Rio Patrimônio Cultural da Humanidade a respeito. Tem os mapas expostos? Onde? E o Iphan / Rio tem os registros? Onde?

DSC_6382Lembro-me muitíssimo bem da enorme quantidade de material religioso dos escravos na região e sobre o qual nenhuma palavra nos foi dada na cerimônia desta semana. Aonde estão? Que destino foi dado ao mesmo? Quem está cuidando? Quando e onde estarão expostos à visitação pública?  Quais os recursos destinados para tanto?

Vale sempre lembrar que a Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, dispõe sobre a proteção dos sítios arqueológicos em se artigo 30, inciso XXX, os quais, conforme o artigo 350 integram o patrimônio cultural da Cidade do Rio de Janeiro.

foto21cul-101-sitio-d5Seguindo esta diretriz, em 07 de maio de 2003, foram promulgados na Cidade do Rio de Janeiro, os Decretos 22872 e 22873.

O primeiro cria a obrigatoriedade da pesquisa arqueológica nas obras de intervenção urbanísticas e/ou topográficas.

O segundo cria a carta arqueológica do Município do Rio de Janeiro, para garantir a preservação dos sítios cadastrados e a proteção das áreas de potencial arqueológico, ou seja, com provável ocorrência de vestígios materiais não documentados. Mas, será que basta a lei?

Confiram ainda sobre a questão:

“Cais da Imperatriz: precioso legado cultural aflora no Porto do Rio”

“Sítio arqueológico no Porto do Rio: nossa história é nosso patrimônio !”

“Porto Maravilha é maravilha..debaixo da terra !”

“Cais da Imperatriz: últimas notícias”

“Arqueologia no Rio: O Cais da Imperatriz nos ensina”

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4 Resultados

  1. Olá Sonia,
    terei o maior prazer de recebê-la aqui no Setor de Arqueologia do IPHAN/RJ e mostrar-lhe todos os nossos procedimentos relacionados à arqueologia do sítio arqueológico cais do Valongo, inclusive com relação ao material armazenado na Praça dos Estivadores.
    O convite está feito e aguardo sua resposta. Se preferir telefonar, é só ligar: 22337176 ou 22337158
    Um grande abraço,
    Regina

    • Sonia Rabello disse:

      Cara Regina. Terei maior satisfação de ir ao IPHAN para conhecer o que está sendo feito na área, para divulgação no blog. Sei que você é uma profissional competentíssima, e saber que está envolvida com o assunto já é um excelente indicador. Um grande abraço. Sonia Rabello

  2. Essa região toda do cais do porto carioca é que uma importância arqueológica sem par: por ali entraram não só os escravos vindos d’África e se negociaram abacaxis e laranjas com os marinheiros cobertos de escorbuto que vinham de viagens longas de fora do país; o cais do porto em sua fase inicial era uma via de comércio, um saara
    como o de hoje, onde havia de tudo um pouco. E deve estar muito bem descrito pelos autores dos séculos XVI / XVII/ XVIII / XIX. Basta lê-los para se entender um pouco da coisa.
    Mas pra quê? respondem as nossas otoridades que não querem se amofinar. Pra quê? responde uma secretaria de cultura da prefeitura, desinteressada pelo que nos diz respeito, as nossas raízes. Pra quê? responde um prefeito absolutamente avesso ao que diz respeito às nossas raízes.
    Será que o Gabeira se eleito se importaria? Porque é isso que fizeram: elegeram um bobalhão descompromissado com o povo e com a nossa história, no lugar de uma pessoa interessada e preocupada com as nossas coisas, e não só ao “samba, prontidão e outras bossas” as coisas nossas do tempo de Noel.

  3. É isto. Acompanho atentamente esta história há mais de 15 anos. Escrevo vários artigos sobre a extensão formidável do sítio e da importância arqueológica inestimável da área, infinitamente mais extensa do que o ínfimo espaço do diminuto cais.

    É notório o descaso com as relíquias, bem com a ignorância historiológica manifesta mesmo no trabalho de Tania Lima, reflexo da quase nenhuma importância dada a cultura da diáspora africana no Brasil.

    Pior de tudo é saber que toda este descaso disfarçado esconde interesses da gentrificação, caracterizado por uma espécie de desarqueologia, ou seja, mais que revelar, esconder a passado preservado no solo da região, afim de não atrapalhar a especulação imobiliária e os interesses econômicos da Cidade Empresa.

    é o Bota Abaixo do Pereira Passos de novo.

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