Desabamento de residência e a nova lei de liberação geral de residência unifamiliar: irresponsabilidade urbanística no Congresso Nacional

 

Desabamento na Vila Sapê (Crédito: Reprodução / TV Globo)

Um dia após a publicação, no Diário Oficial da União, de uma mini lei que libera o registro de residências unifamiliares de pobres – chamados também de baixa renda – sem o habite-se da Prefeitura, ocorre, como se fosse um aviso, um desabamento de uma casa sobre uma família, na Vila do Sapê, na Zona Oeste no Rio.  

Diz o único artigo da famigerada lei:

Art. 247-A. É dispensado o habite-se expedido pela prefeitura municipal para a averbação de construção residencial urbana unifamiliar de um só pavimento finalizada há mais de 5 (cinco) anos em área ocupada predominantemente por população de baixa renda, inclusive para o fim de registro ou averbação decorrente de financiamento à moradia.

Esta mini lei foi uma surpresa para os urbanistas em geral, mas segue a linha da apregoada moda do “destravamento” da burocracia por um lado e, do outro, da gradativa desregulação urbanística nas cidades. Enfim, a crença cada vez mais comum de que a irregularidade urbanística é uma consequência de uma burocracia irracional de planejadores urbanos, que atormentam os privados.

Procedimentos de controle – Com certeza admitimos que existe lei em excesso, inclusive na área do planejamento, e que a burocracia do licenciamento urbanístico (e o ambiental) pode ser inadmissivelmente longa, e com exigências irracionais e imotivadas. Mas, ao invés de corrigirmos os processos, o caminho escolhido é “jogar fora o bebê junto com a água suja do banho”. Ou seja, a escolha tem sido a de eliminarmos os procedimentos de controle.

Para os legisladores desavisados e irresponsáveis, o que interessa é a imediata satisfação de uma parcela do seu eleitorado. E colocar em seus currículos legislativos que tiveram uma lei aprovada, e portanto, é são legisladores “eficientes”.

Veja o caso desta famigerada mini lei, e como ela tramitou no Congresso Nacional, vindo a ser aprovada, surpreendentemente, sem sequer ser votada em plenário na Câmara dos Deputados, e sem passar, no Senado, pela Subcomissão de Moradia e Desenvolvimento Urbano!

Registre-se que na Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara, o primeiro parecerista teve um vislumbre de clarividência, e recomendou, de início, a rejeição. Isto porque, como ele mesmo afirmou, trata-se me matéria de competência constitucional dos municípios. Mas depois caiu na tentação da “mãozinha na cabeça” da irregularidade e encaminhou pela sua aprovação. 

Seu parecer é uma pérola de contradição, mas esclarecedor de como se dá a irresponsabilidade urbanística no Congresso Nacional.

“Numa primeira análise, chegamos a concluir que as normas existentes seriam suficientes para o tratamento da questão em foco e concluímos pela rejeição da matéria. Entretanto, aprofundando a análise, observamos que, quando o objetivo é regularizar uma edificação realizada sem observância das normas urbanísticas vigentes, objeto da preocupação do projeto de lei em foco, as regras variam bastante de município para município. A razão para isso é bastante simples e reside no fato de a esfera municipal do Poder Público ser responsável pela promoção do adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, bem como pela execução da política de 3 desenvolvimento urbano, da qual o plano diretor é o instrumento básico (arts. 30, inciso VIII, e 182, caput e § 1º, da Constituição Federal). Essa circunstância acaba sendo perversa, pois permite que imóveis em situação semelhante tenham tratamento diferenciado. Com isso, os proprietários se vêm incapacitados de proceder à averbação da construção e à consequente regularização junto aos serviços de registro de imóveis. Nesse ponto reside o principal benefício da proposição em foco, que é o de estabelecer um procedimento uniforme e simplificado para o processo de regularização de construções junto ao serviço de registro.”

Isto tudo a despeito do reconhecimento da competência e do dever das municipalidades de certificar, pelo habite-se, o cumprimento das normas urbanísticas.

Resta ainda a Justiça e, talvez, mais um processo de Arguição de Inconstitucionalidade a ser proposta junto ao STF. Mais um…

Veja aqui o resumo da tramitação do projeto de lei, iniciado em 2014

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