Recife, Belo Horizonte e Rio: gestão democrática e participativa no Planejamento Urbano? Como?

Segurança Pública, transportes coletivos, calçadas viáveis para se andar, iluminação nas ruas, áreas públicas de lazer, posto de saúde e escolas públicas no bairro, oferta habitacional para todas as faixas dos cidadãos da cidade, limpeza pública, faixa de ciclistas, arborização e permeabilização das áreas públicas para que não haja enchentes, preservação de áreas ambientais e do patrimônio cultural. Estes são alguns aspectos que o planejamento urbano de uma cidade pode e deve prover e manter. E tudo isto só é possível se houver boas leis de planejamento urbano!

Mas, como os cidadãos dessas três cidades – Recife, Belo Horizonte e Rio – têm executado a edição da legislação de planejamento urbano que afeta diretamente a vida dos cidadãos?

Duas cidades, Recife e Belo Horizonte, ainda que de forma um pouco diversa, têm procurado cumprir a lei federal do Estatuto da Cidade (ECi) que, em seu artigo 43* determina a gestão democrática da cidade através de órgãos colegiados de planejamento urbano, debates, audiências, consultas públicas e conferências sobre assuntos de interesse urbano.

Sobre esta última instrumento – as conferências – nos deteremos mais neste blog.

Recife e Belo Horizonte têm um processo instaurado de participação popular para elaboração e revisão de seus planos diretores. E qual é este processo? É a realização das Conferências da Cidade, onde o processo de elaboração e discussão do conteúdo da legislação urbanística deve ser amplamente debatido.

Recife, para cumprir o prazo do §3º do art.40 do ECi, está no início da revisão do seu Plano Diretor de 2008 (Lei 17.511). Seu prazo é 2018, e as Conferências de participação social devem estar começando.

“A lei que instituir o plano diretor deverá ser revista, pelo menos, a cada 10 (dez) anos”.

Já Belo Horizonte tem um processo de realização e revisão de seus planos diretores bem mais constante. BH realiza estas revisões de quatro em quatro anos! A cidade já realizou várias Conferências municipais (já realizou a 5ª Conferência!) e, como Recife, tem um Conselho da Cidade bem ativo.

No momento, após a 5ª Conferência, BH está na iminência de enviar para Câmara de Vereadores um novo Plano Diretor, incorporando no seu texto, de forma moderna e consistente, não só todos os instrumentos de política urbana, como também as normas de uso e ocupação do solo e de parcelamento, que já não mais serão objeto de leis em separado, dirimindo assim potenciais conflitos.

E o Rio?

Nesta cidade onde todos comentam os descalabros e o caos que está acontecendo, pergunta-se: o que diz o seu Conselho da Cidade? O que se discutiu, ou se discute em suas conferências?

Surpresa: o Rio nunca teve um Conselho da Cidade eleito (só um biônico, na gestão E.Paes, que foi totalmente nomeado por indicação exclusiva do então chefe do executivo municipal)*. O Rio não teve o seu Plano Diretor, Lei Complementar 111 de 2011, elaborado ou debatido em uma Conferência da Cidade, simplesmente porque que nunca realizou, oficialmente, uma!

No Rio, depois de 7 anos de vigência do “novo”, já velho Plano Diretor de 2011, o atual alcaide municipal reenviou para Câmara de Vereadores novos projetos de leis que lhe complementam – lei de uso e ocupação do solo, código de obras, lei de parcelamento urbano, lei de licenciamento e fiscalização -, tudo sem cumprir as etapas mínimas e essenciais que garantem a gestão democrática da Cidade, conforme está determinado no ECi, e indicado pelo Ministério das Cidades através do seu ConCidades.

Em 2005, o Conselho das Cidades (ConCidades, Ministério das Cidades) emitiu a Resolução n.25 que faz recomendações à forma de como se deve atender, minimamente, ao requisito legal de participação. Diz o art.3º e seguintes da dita Resolução:

Art. 3º O processo de elaboração, implementação e execução do Plano diretor deve ser participativo, nos termos do art. 40, § 4º e do art. 43 do Estatuto da Cidade.

§1º A coordenação do processo participativo de elaboração do Plano Diretor deve ser compartilhada, por meio da efetiva participação de poder público e da sociedade civil, em todas as etapas do processo, desde a elaboração até a definição dos mecanismos para a tomada de decisões.

§ 2º Nas cidades onde houver Conselho das Cidades ou similar que atenda os requisitos da Resolução Nº 13 do CONCIDADES, a coordenação de que trata o §1º, poderá ser assumida por esse colegiado;

Art. 4º No processo participativo de elaboração do plano diretor, a publicidade, determinada pelo inciso II, do § 4º do art. 40 do Estatuto da Cidade, deverá conter os seguintes requisitos:

I – ampla comunicação pública, em linguagem acessível, através dos meios de comunicação social de massa disponíveis;
II- ciência do cronograma e dos locais das reuniões, da apresentação dos estudos e propostas sobre o plano diretor com antecedência de no mínimo 15 dias;
III- publicação e divulgação dos resultados dos debates e das propostas adotadas nas diversas etapas do processo;

Art.5º A organização do processo participativo deverá garantir a diversidade, nos seguintes termos:

I – realização dos debates por segmentos sociais, por temas e por divisões territoriais, tais como bairros, distritos, setores entre outros;
II -garantia da alternância dos locais de discussão.

Infere-se da Resolução do ConCidades que não só o processo de elaboração do Plano Diretor deve ser cumprir determinadas etapas e formalidades para que se possa etiquetá-lo como participativo, como também as leis que complementam o Plano Diretor, ou seja as leis que lhe implementam ou/e lhe dão execução também devem cumprir estas exigências.

Em 2004, o ConCidades (Nacional) expediu resolução que explicitava o significado e o papel dos Conselhos no cumprimento do dispositivo legal da “gestão democrática” no planejamento urbano. Diz a resolução 13/2004, ainda em vigor:

Art 1º – Propor as seguintes diretrizes e recomendações aos atores sociais e governos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para criação de Conselhos Estaduais e Municipais da Cidade ou equivalentes: (…)

V – o Conselho da Cidade local ou equivalente a ser criado nas Unidades da Federação é fundamental que possa se referenciar nas diretrizes e princípios aprovados na Conferência Nacional das Cidades.
VI – a realização de conferências municipais e estaduais será um referencial importante para a discussão da política urbana a nível local e eleger os membros do novo Conselho de forma democrática.
VII – a composição do novo conselho poderá, a partir de uma análise dos atores existentes em cada lugar, contemplar a representação de todos os segmentos sociais existentes. Poderá seguir os segmentos designados no ConCidades, eleitos na Conferência Nacional das Cidades;
VIII – os governos, nas várias instâncias, precisam garantir autonomia ao pleno funcionamento dos conselhos, bem como, garantir dotação orçamentária e a instituição de uma secretaria executiva;

Resolução 34 de 2005 do ConCidades , em seu artigo 7º, confirma a necessidade de haver um Conselho da Cidade para garantir a implementação e execução democrática do Plano Diretor.

Estamos em 2018, e ainda o governo da Cidade (Executivo + Legislativo) do Rio “não dá a mínima” para cumprir as determinações da lei nacional sobre gestão democrática da Cidade, e continua “tocando” os projetos de lei sobre planejamento urbano sem cumprir os trâmites básicos acima indicados.

E só faz tudo isto porque também o Governo Federal não lhe exige nada. Continua transferindo dinheiro para projetos urbanístico na Cidade, dos quais os bilionários “legados” da Copa e Olimpíada são tristes exemplos, sem lhes cobrar o cumprimento das Resoluções do ConCidades. Tudo “blá, blá, blá”…

Não estaria na hora de uma reação das renomadas instituições acadêmicas do Estado do RJ? Do MP? E, por que não, das Associações Civis para fazer cumprir o que está na lei nacional há 17 anos ? Ou ainda esperamos por um Dom Sebastião para salvar a Cidade Maravilhosa?

* ECi > DA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE

Art. 43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos:

I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal;

II – debates, audiências e consultas públicas;

III – conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal;

IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;

V – (VETADO)

Art. 44. No âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a alínea f do inciso III do art. 4o desta Lei incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal.

  • Sobre o Conselho da Cidade fake, instituído na gestão Paes, leiam os blogs

Argentina e a participação social nas políticas públicas: avanço pela Jurisprudência

Conselho da Cidade ou do Prefeito ?

 

Conselho da Cidade do Rio: verdadeiro ou falso?

Conselho da Cidade no Rio: uma ilusão democrática…

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