Museu do Índio: a decisão judicial que permitiu sua demolição

O Estado do Rio de Janeiro, através de seus hábeis advogados, conseguiu induzir à Presidência do Tribunal Regional Federal a suspender a razoabilíssima liminar do Juízo Federal de 1ª Instância que protegia o prédio histórico de sua  iminente demolição.

Vejam abaixo trechos de como a Desembargadora Presidente justificou a sua decisão de permitir a demolição deste patrimônio nacional, cujo valor histórico já foi reconhecido por dois Conselhos de Patrimônio: o municipal e o estadual.

“In casu, sem adentrar o mérito do suposto valor histórico e cultural do prédio onde teria funcionado o “Antigo Museu do Índio”, a despeito de se tratar de construção centenária, não há notícia de que tenha sido objeto de tombamento, encontrando-se, de fato, abandonado pelo poder público há mais de 34 anos, sendo notório o seu péssimo estado de conservação.

Certamente, a inércia do IPHAN – órgão criado em 1937, responsável pela proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, atualmente vinculado ao Ministério da Cultura -, no sentido de promover a preservação daquele edifício, sugere que o mesmo não atenderia a requisitos de ordem técnica, tidos como necessários para integrar o patrimônio cultural.

(…)

Saliente-se que as notas técnicas apresentadas pelo Requerente (fls. 191/201), no que diz respeito às saídas leste do Estádio de Maracanã, aparentemente, encontram-se de acordo com as recomendações e requisitos técnicos da FIFA (fls. 178/189), justificando, em tese, a necessidade de criação de uma área de circulação, exatamente onde se assenta o prédio objeto de litígio, visando à segurança do público que assistirá aos jogos das duas Copas.

Ademais, em que pese a inquestionável proximidade do término do prazo para a entrega do Maracanã, incluindo sua área externa, a tempo de realização da Copa das Confederações, em junho de 2013 – sendo, inclusive, já sabido que, eventualmente, também será necessária a demolição de outras estruturas adjacentes ao estádio, como o Parque Aquático Júlio Delamare, o Estádio de Atletismo Célio de Barros e até mesmo a Escola Municipal Friedenreich -, é certo que Defensoria Pública da União, até o presente momento, não apresentou um projeto técnico alternativo à solução trazida pela Requerente, que, ao mesmo tempo, atenda às recomendações e requisitos técnicos da FIFA e mantenha incólume a estrutura daquele edifício, fundado em seu alegado valor histórico e cultural.

Sendo assim, considerando inexistir elementos de convicção para afastar, neste momento processual, a presunção de legitimidade dos atos praticados pelo Estado do Rio de Janeiro para a realização das obras externas ao Estádio do Maracanã que visem, precipuamente, à segurança do grande público que prestigiará os eventos, tenho, pois, que a tutela antecipada deferida nos autos da Ação Civil Pública nº 0046188-62.2012.4.02.5101, ao proibir, em sede de cognição sumária, a prática de atos abstratos ou concretos de demolição do edifício conhecido como “Antigo Museu do Índio”, acarreta risco de grave lesão à segurança e à economia públicas, tendo em vista a necessidade de honrar os compromissos assumidos pelo Requerente, sob pena de imposição de sanções pecuniárias e descrédito do Brasil junto à comunidade internacional.

Não se diga, porém, que, em face da necessidade de suspensão da eficácia da tutela antecipada, atribui-se ao Requerente, ou mesmo a esta Presidência, a responsabilidade pelo risco de perecimento do objeto da Ação de tombamento compulsório do edifício, pois sempre coube aos antigos proprietários do bem, assim como ao IPHAN, provocar o tombamento do bem, acaso se convencessem de sua importância histórica e artística.

Uma vez suspensa a decisão que deferiu a tutela antecipada nos autos da Ação Civil Pública nº 0046188-62.2012.4.02.5101, prestigiando o entendimento do Juízo da 8ª Vara Federal/SJRJ, no sentido de que a reivindicação pela preservação daquele edifício configura questão prejudicial àquela em que se pleiteia a permanência de índios em áreas adjacentes ao prédio (fl. 110), também deve ser suspensa a eficácia da antecipação de tutela deferida nos autos da Ação Civil Pública nº 0046215-45.2012.4.02.5101, mesmo porque o suposto esbulho do imóvel recentemente adquirido pelo ora Requerente também contribui para o atraso do encerramento das obras para a Copa das Confederações.

Diante do exposto, restando configuradas situações de risco de grave lesão à segurança e à economia públicas a justificar a aplicação do art. 4o, caput, da Lei nº 8.437/1992, CONHEÇO do Pedido e DEFIRO a suspensão dos efeitos das tutelas antecipadas nos autos das Ações Civis Públicas nºs. 0046215-45.2012.4.02.5101 e 0046188-62.2012.4.02.5101.”

Rio de Janeiro, 13 de novembro de 2012.

Desembargadora Federal MARIA HELENA CISNE

Presidente”

Há, ao nosso ver, contradições básicas na decisão, as quais assinalo:

1. O valor histórico e cultural do prédio não pode e não deve ser demonstrado só pelo IPHAN, mas também por órgãos do Patrimônio Cultural de outros níveis federativos, como foi o caso do Estado (INEPAC), e Município (art.23 da CF).

2. Não cabe à Defensoria propor alternativas técnicas à saída e circulação de veículos, mas ao órgão público que está fazendo a obra do Maracanã.

3. O valor do patrimônio cultural do prédio é direito fundamental e não pode ser afastado em função de outro interesse contratual de hierarquia inferior, especialmente em função de obrigações contratuais assinadas com entes privados, como a FIFA.

4.  É certo que a grave ameaça à lesão de interesse público não é a busca de uma alternativa técnica de circulação viária, mas o desaparecimento do prédio histórico simbólico e centenário, da construção da luta pela preservação da cultural indígena no Brasil!

É uma decisão que urge ser reformada !!!

Confira a decisão integral:

Suspensão da liminar

 

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11 Resultados

  1. Devem haver novas ações que impeçam a iminência do ato.

  2. Claudio Silva disse:

    Sinto muito e peço desculpas desde já pelo que irei falar: No decorrer das décadas em que venho acompanhado e vivenciando as decições do poder público em relação aos pequenos ( baixa renda/poder aquisitivo mínimo), de serem atropelados pelo poder público sempre de forma truculenta muitas das vezes, um setor que deveria apoiar e ajudar os menos favorecidos diga se lá de passagem e estão fazendo totalmente o oposto; declaro aqui o meu pesimismo não vejo esperança alguma em um país onde o poder não mede esforços para atingir seus objetivos particulares, onde a impunidade é descarada e banalizada características de um país que nunca sairá do terceiro mundo e do rôtulo de dominado e de “em desenvolvimento”. Um país que ainda não quebrou por causa de suas riquesas naturais, porém caminha fortemente para esse objetivo. Poderiamos ser uma potência absoluta mais devido sermos uma nação sem cultura e sem história uns dos exemplos é o museu do índio que deveria ser reformado e ser mais um atrativo nos megas eventos batendo as portas não! Vamos destruir exemplo de um povo sem história e “um povo sem história é um povo fantasma”. É lamentável…

  3. manfred bert disse:

    vale tbm frisar q a propria FIFA ñ se impus contra o tombamento do prédio centenário e ainda recomenda ” a preservação dos bens históricos dos locais e das cidades q cedem olimpiadas “

  4. Cristina Reis disse:

    Dizer “que, ao mesmo tempo, atenda às recomendações e requisitos técnicos da FIFA” é mais do que provado que todos, sem exceção estão nas mãos da FIFA. Então, devemos agradecer exclusivamente ao ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva, a destruição dos nossos Bens Patrimoniais e Culturais aos setores privados. Essa é a esquerda que a direita adora.

  5. Iara Ferraz disse:

    É preciso ter uma PROPOSTA para o local: o que se pensou foi a formação do Museu dos Esportes Indígenas.

  6. Este é o resultado da “ditadura anarquica” que estamos vivendo, onde eles (amigos do “rei” ) podem tudo e nós,pobres mortais, não temos direito nem si quer a cultura.Que me desculpe o togado que deu esta sentença ,se, a inercia foi do IPHAN ,que o mesmo seja condenado e obrigado a recupera-lo para nossa cultura que já é tão pouca.E ainda falam da “ditadura militar”.Amigos “salimos de GuateMALA para Guate PIOR.
    Acho que “Na atual conjuntura ,a maioria dos políticos,deveriam abandonar a vida pública e entrar na PRIVADA”

  7. Ana disse:

    Causa-me estranhamento este trecho: a “Defensoria Pública da União, até o presente momento, não apresentou um projeto técnico alternativo à solução trazida pela Requerente, que, ao mesmo tempo, atenda às recomendações e requisitos técnicos da FIFA e mantenha incólume a estrutura daquele edifício, fundado em seu alegado valor histórico e cultural”.

    Porque o projeto amplamente divulgado nos sites de governo é este aqui: http://www.youtube.com/watch?v=uOt3NnuqBwU

    Além disso, o site oficial das Olimpíadas apresenta como locais de treinamento:
    http://www.rio2016.com/pregamestraining/pt/estadio-de-atletismo-celio-de-barros
    http://www.rio2016.com/pregamestraining/pt/parque-aquatico-julio-delamare

    Salvo melhor juízo, há falta de transparência do processo decisório que levou a mudanças tão radicais no projeto original, ainda mais que este continua sendo oficialmente divulgado como sendo aquele a ser implementado.

    Ana

  8. Bernardo disse:

    Nem todo mundo tem coragem de se meter no caminho do Eike! Parabéns aos Juízes, Promotores e Defensores Públicos (das esferas estadual e federal) pelo empenho e CORAGEM!
    A presidente do TRF-2 está comprometida com o projeto de Eike-Cabral…já demonstrou isso três vezes nesse processo e não vai voltar atrás! Agora, é tentar no STF!

  9. MINHA OPINIAO SOBRE A QUESTAO MARACANÃ

    O Prédio que esta causando tanto alvoroço em boa parte da população e a municipalidade está no mesmo local há 147 anos quando foi construído para ser parte das instalações do Derby Club, a então pista de corridas de cavalo da cidade. Portanto estamos falando de um edifício do Período Imperial.
    Mais tarde, quando os Paula Machado construíram uma nova sede na Gávea, em 1926, o clube foi demolido e só restou o prédio em questão.
    Entre 1953 e 1977 ele abrigaria o Museu do Índio. Sendo antes ocupado pelo Serviço de Proteção ao Índio.
    Curioso notar que o prédio é tão solido que nem os impactos causados pela construção do Maracanã no terreno onde ficava o Derby fez o museu ser abalado ou varrido da paisagem no local. Alias, um laudo recente mostrou que sua estrutura esta intacta
    Mas, ao que tudo indica, apesar de toda a mobilização em apoio aos índios e contra o bota-abaixo, o prédio está mesmo com os dias contados.
    A intenção é usar a área para escoamento do público do estádio. A demolição foi no dia 14/12/12. Mas parece que pode ser mudada!
    O PSOL e o Vereador Elimar Coelho defendem a restauração do prédio e sua transformação em centro voltado à cultura indígena.
    Eu acredito que e melhor opção seria levar os índios para algum lugar a ser providenciado pela FUNAI e quanto ao prédio tomba-lo definitivamente pelo IPHAN, restaura-lo e transforma-lo em Espaço Cultural.
    Caso não saibam donde poderia vir a verba para esta despesa, caberia uma boa medida compensatória as empresas que transformaram o Rio de Janeiro em um canteiro de obras e não estão prestando atenção aos aspectos arqueológicos bem como destruindo locais que não foram estudados antes e dessa forma destruindo inexoravelmente os últimos vestígios do passado da cidade.
    O Próprio IPHAN ja disse o que acha sobre o assunto :

    4ª. Reunião da SAB-Sudeste
    Novos Problemas, Novos Enfoques, Novos Resultados
    05 a 07 de novembro de 2012
    Local: Campus UERJ Maracanã
    Rio Janeiro – RJ

    Moção

    A 4ª Reunião da Sociedade de Arqueologia Brasileira-SAB/SUDESTE que ocorreu no Campus da Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ Maracanã, vem por meio desta Moção, após aprovação deste documento em plenária, apoiar as manifestações relativas à proteção do terreno que abriga o antigo prédio do Museu do Índio, bem como, a aldeia urbana indígena Maracanã, situado nos arredores do Estádio do Maracanã, que corre risco de destruição devido a obras de infra-estrutura relacionadas ao evento da Copa do Mundo de 2014.
    Reforça-se a importância e significância histórica e cultural da edificação para a cidade do Rio de Janeiro, considerando ainda legítima a manutenção e valorização da aldeia urbana indígena Maracanã.
    A Reunião requer das autoridades públicas constituídas a adoção das medidas administrativas e judiciais necessárias para se evitar danos a tais bens culturais.

    SAB-SUDESTE
    Sociedade de Arqueologia Brasileira-Sudeste
    Rio de Janeiro, 07 de novembro de 2012.

  10. Elisa Fontes disse:

    MAS…CACETE…..KD O TAL DOCUMENTO QUE ESTÁ NO ARQUIVO NACIONAL…AQUELE EM QUE O GENRO DE D. PEDRO II DOA O IMÓVEL E TERRA AOS INDIGENISTAS E AOS PESQUISADORES DAS CIÊNCIAS NATURAIS…AD ETERNUM??? SE ELE EXISTE, CONFORME FALADO PELO SOBRINHO DO DARCY RIBEIRO…ACHEM ESSE DOCUMENTO…E ESFREGUEM NA CARA DO CABRAL, DO PREFEITO, DO INEPAC, DO IPHAN E DA JUÍZA!!!!

  11. Pelo que entendi caso confirmada a informação de que o IPHAN “…sugere que o mesmo não atenderia a requisitos de ordem técnica, tidos como necessários para integrar o patrimônio cultural” (sic), podemos afirmar que, mais uma vez, esse orgão se coloca contra a proteção de patrimonio historico como foi considerado o antigo Museu do Indio pelo CMPC.
    Assim como contribuiu para a descaracterização do Maracanâ ao permtir a demoliçõa da sua marquise.

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