O caso La Vue-Geddel (1): o iceberg do negócios imobiliários na República

O caso La Vue-Geddel revela apenas a pontinha do iceberg relativo à enorme importância dos interesses imobiliários envolvendo figuras políticas da República; desde vereadores, prefeitos, governadores, deputados até agentes imobiliários. São bilhões de reais, presentes e futuros, que estão em jogo.

Só analistas inocentes reduzem o caso La Vue-Geddel a um episódio casual, no qual um Ministro-chefe da Secretaria de Governo Federal, por conta de um apartamento que teria comprado, sairia dos seus cuidados em meio à crise nacional, para telefonar, pessoalmente, para outro ministro para que ele “cuidasse” de um assunto tão particularmente específico!

A vista do imóvel, com destaque para o empreendimento (à esquerda) – Reprodução

A atitude do Ministro baiano não é casual, nem pessoal. É institucional. Faz parte dos “negócios” imobiliários nas cidades, que ligam os poderes políticos constituídos aos poderes econômicos, sobretudo para conseguir as exceções de gabaritos, os terrenos públicos, as licenças especiais, as mudanças legislativas de aumento de área, de altura, de ocupação, e para arranjar um jeitinho de sanar toda espécie de irregularidades, seja para os ricos, seja para pobres (para alguns deles, pois não dá para todos).

Este lobby imobiliário é tão importante quanto é o lobby dos contratos das empreiteiras de obras públicas, e nele os políticos atuam com pedidos e pressões de toda espécie, sobretudo junto às “frágeis” Câmaras Municipais. No caso das empreiteiras, o baú Petrobrás parece ter clareado com contratos de obras e serviços, e seus aditivos, alimentando o propinoduto desta nefasta parceria público-privada. 

Na esfera imobiliária, o caso La Vue-Geddel poderá ser a fresta de sol que começará a expor à luz, e ao calor, este enorme iceberg de vultosos negócios imobiliários destas também nefastas “parcerias” privadas-públicas. Quem ganha? Quanto? Claro que não são os irrisórios R$ 2,5 milhões do suposto valor do apartamento ministerial.

Quanto vale obter, gratuitamente, um aumento de gabarito de 10 para 30 andares, com vista total para Baía de Todos os Santos? 

Por que os aumentos de gabaritos – que valem alguns milhões de reais – são dados gratuitamente aos donos de terrenos, quando o Estatuto da Cidade, desde 2001, já determinou a sua cobrança pela Outorga Onerosa? Por que a cidade de São Paulo cobra pelos índices construtivos e Salvador os dá de graça? 

É legítimo que a Municipalidade de Salvador enriqueça os proprietários de terrenos dando-lhes, gratuitamente, índices construtivos?  Não seria isso “enriquecimento sem causa”, vedado pela legislação brasileira no art.884 do Código Civil?*

Por que muitas as cidades brasileiras não aplicam o Estudo de Impacto de Vizinhança, previsto em lei federal, no Estatuto das Cidades desde 2001?

Vi que artistas brasileiros assinaram um manifesto em que pedem que o prédio de 30 andares do caso La Vue-Geddel não seja aprovado, dando apoio ao decidido pela Direção Superior do IPHAN-BSB.  É bom, mas é pouco, porque é circunstancial.  Não se trata de resolver este caso, enquanto pipocam centenas casos parecidos pelo Brasil.

Que tal revelarmos toda sorte de casos e seus interesses que tramitam na Administração Pública, no Legislativo, e no Judiciário, envolvendo o lobby dos interesses imobiliários bilionários nas cidades brasileiras?  Ajudaria a dimensionar o problema, que é estrutural no planejamento das cidades e na preservação do seu patrimônio cultural e ambiental.

  • Enriquecimento sem causa: “Como conseqüência disto, fica descabido ao ordenamento jurídico brasileiro, a admissão do enriquecimento sem causa, o que acarretaria na autorização de relações jurídicas maculadas pela disparidade entre as partes, transferências de bens sem a obrigação de uma contraprestação, ou seja, movimentação de riquezas e recursos, acréscimo patrimonial sem uma causa que justifique.” in https://goo.gl/3zOC7

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