Triste epílogo do ex-Museu do Índio no Rio

O que os índios queriam e a cidade lhes negou, mais uma vez ?

Em 2012, quando ainda era vereadora no Rio, recebi uma comissão de índios que ocupavam o prédio ao lado do Maracanã, antigo Museu do Índio, e que pedia apoio para que o prédio não fosse demolido e para que que ali se instalasse um “Centro de Referência dos povos de Cultura Indígena”.

O primeiro aspecto foi atendido, não por consideração aos índios, mas por pressão dos órgãos de patrimônio cultural e até da ministra da Cultura, já que o prédio tinha vários processos de preservação com pareceres técnicos favoráveis à sua proteção.

Manter o prédio de pé, em lugar de colocar estacionamento e shopping, já foi um tormento para os negócios que envolvem a Copa, as Olimpíadas, os espaços e bens públicos e os governos do Estado e do Município. Mas, como afirmei em meu blog no dia 29 de janeiro deste ano, o governador provavelmente iria arranjar um meio de se vingar…

E o fez; se vingou.  E o fez com raiva!

Decidiu que o prédio iria abrigar um outro museu, mas não de Referência das Culturas Indígenas, como seria natural pela sua história, mas um das Olimpíadas!

No prédio-símbolo dos índios iria se construir o “museu olímpico” e, no prédio símbolo de esportes olímpicos (o Complexo do Maracanãzinho), vai se destruir os equipamentos olímpicos do Parque Aquático Júlio Delamare e o estádio Célio de Barros!  Isso é o que eles vendem como justo e plausível para o interesse público da Cidade. E tem gente que acredita, até na Justiça.

O discurso do Museu Olímpico foi o que o Governo do Estado precisava para tirar os índios do antigo prédio. Eram eles, com a sua ocupação, o último entrave humano que obstava às “obras olímpicas”, já que, na Justiça, o Governo do Estado, paciente e silenciosamente, já havia “derrubado” as liminares que impediam o seu avanço.

Com decisões judiciais que lhe permitiam a ocupação do prédio, o Governo do Estado avançou com seu camburões, assim como fez com o hospital do IASERJ, em 2012 (confira).  E, no final de semana, quando a Justiça Federal foi novamente acionada, o espaço do prédio histórico, reconstruído por Darcy Ribeiro e outros para ser um Centro de Referência Indígena, já tinha sido ocupado pelas empreiteiras!

“À tarde [domingo,24], o juiz [federal] determinou uma inspeção em prédio desativado do Ministério da Agricultura que fica ao lado do antigo Museu do Índio, no Maracanã, que o governo ameaçou demolir e agora pretende transformar em Museu Olímpico. No entanto, verificou-se que o local, transformado em canteiro de obras para a reforma do estádio do Maracanã, não oferecia condições para abrigar o grupo.” (confira a íntegra)

E, assim, o Estado do Rio de Janeiro avança em suas decisões arbitrárias de privatização de bens públicos, seguindo exclusivamente interesses particulares e não discutidos com a sociedade. Prova disso é a carta da Fundação Darcy Ribeiro, que circula na internet,  e que relata a interrupção das negociações pelo Governo do Estado a respeito da viabilização, naquele prédio, das suas referências históricas mais legítimas.(veja no leia +)

Um episódio que ficará na triste memória da história social e cultural da cidade do Rio, e que contou com a omissão compactuada da Prefeitura do Rio e com a intervenção tardia, e pouco compreensiva, da Justiça no Rio.

CARTA ABERTA

 Sobre a Aldeia Maracanã

 

A Fundação Darcy Ribeiro vem publicamente expressar o seu repúdio sobre a decisão do governo do Estado do Rio de Janeiro de interromper abruptamente o diálogo e as negociações, expulsando as diversas etnias que ocupam, há anos, o prédio do antigo Museu do Índio, conhecido popularmente por Aldeia Maracanã.

A Fundação Darcy Ribeiro foi convidada pelas lideranças que ocupam a Aldeia Maracanã para participar do processo como interlocutora qualificada junto ao Estado.

Temos, desde então, mantido contato permanente junto às lideranças das diversas etnias que habitam e circulam pela Aldeia Maracanã e com a Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos no sentido de apresentarmos soluções consensuais para a destinação do prédio e acolhimento dos seus moradores.

É importante salientar que a participação da Fundar no litígio tem como princípio preservar a memória e a luta do professor Darcy e do Marechal Rondon, que em 1910 implantou ali o Serviço de Proteção aos Índios-SPI, atual Fundação Nacional do Índio- Funai, e em 1953,junto com Darcy, o Museu do Índio, reconhecido pela Unesco, como o primeiro museu do mundo a combater o preconceito e a discriminação étnica.

Por isso, causa-nos estarrecimento a ausência, em todos os momentos, da Funai, instituição que tem entre as suas atribuições, defender a causa indígena e ser representante de seus legítimos anseios. Assim também a visão do governo do Estado, que reconhece o grupo apenas como aqueles que devem ser transferidos, deslocados de um lugar para outro, e não como um grupo étnico diferenciado que reivindica não apenas o abrigo, mas, sobretudo, espaço apropriado para expressar e difundir sua cultura.

A proposta apresentada pela Comissão, composta pelas lideranças indígenas e a Fundação Darcy Ribeiro, era a de se construir um Centro de Referência Indígena no local, capaz de contemplar a história dos mais diversos grupos brasileiros, com exposição de cultura material e imaterial, servindo também como espaço para que eles pudessem se organizar, discutir e pensar coletivamente seus problemas e potencialidades.

 Ao longo do processo fomos informados sobre os possíveis locais para a instalação do grupo, sempre de forma genérica nas “cercanias” da Aldeia Maracanã. Somente na quinta-feira desta semana objetivou-se, por fim, um local próximo à Quinta da Boa Vista e outras duas opções, notícia que provocou positiva expectativa no grupo. Os índios gostariam de conhecer os locais, visitá-los. No entanto, o governo do Estado, ao invés de viabilizar essas visitas, que poderiam levar a um acordo amigável, inflexibilizou o prazo de desocupação e, preferiu, unilateralmente, encerrar o diálogo, acionando a força policial.

Em todos os lugares do mundo, as cidades cultuam seus monumentos, seus lugares de memória. Constroem-se equipamentos sociais como forma de valorizar a história e a cultura de seu povo. No Rio de Janeiro, o governo do Estado trabalha na contramão, desconstruindo, tentando apagar aquilo que um dia serviu de modelo ao mundo pelas mãos do professor Darcy Ribeiro.

 

Paulo Ribeiro

Presidente

Fundação Darcy Ribeiro

 Link da Carta

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2 Resultados

  1. Nem autoridades constitidas, e previamente indentificadas, foram poupadas!!!

  2. Prezados Senhores. A Constituição de um Povo, será respeitada ou valerá o mesmo que um papel jogado ao lixo. Seus Artigos e Incisos não valem apenas por palavras inflexíveis, mas também, o espírito das leis. No embate, o diferencial sempre será o da “moral da Vida”. As ações prescrevem, mas os recursos são imprescritíveis. Se não é meio de nova ação, é, certamente, fator de contrariedade a outros dispositivos. É preciso ver na lei, não apenas o que está escrito, assim rígido, mas como um corpo, que possui vários órgãos, mas a autonomia não importa em separação. Por isso, acredito piamente, que o Direito não é uma ideia, mas uma força viva, que deve ser exercitada, para não sucumbir. Se é certo que o Direito não impõe a moral, também é certo que se opõe ao imoral. Ora! Se a CF/88 assegura a propriedade, qual o fundamento do Governador para,à força bruta, violando os Direitos Humanos, que o Brasil é signatário da lei internacional, tomar o “legado deixado por outras administrações públicas e por contrato público (A mídia publicava os legados que ficariam para a Cidade). Como Governador não é dono, mas, tão somente gestor”, demolir legados configura violação ao direito de propriedade. Assim. Proponho um conjunto variadíssimo de ações em face do Governo do Estado, por violação Constitucional. Atingindo o meio ambiente, a propriedade, o direito ao esporte etc etc etc. Vivemos um momento especial e honroso, onde o Brasil é, até 2016, a Capital Mundial dos Esportes. Como num ambiente de extremo valor esportivo, e seja qual for a autoridade, poderá atentar contra os direitos personalíssimos dos possíveis competidores brasileiros, por proibição de treinos (A piscina olímpica é a única do Estado do Rio de Janeiro, com 5 m de profundidade e outras condições especiais). O legado é ou não é propriedade? A escola quer atingiu o 1º lugar no Rio de Janeiro e 4º no Brasil, será demolida. Indago: Qual o fundamento para uma autoridade desmerecer os méritos de uma escola, se suas gestões, trazem as mesmas na rabada do mundo? Um Atleta brasileiro disse que, no mundo, para as competições olímpicas, o transporte é o público, por questões de segurança e mobilidade urbana. Como todas as demolições atentam contra os direitos personalíssimos, as condições de admissibilidade de ingressos de ações é garantida pela norma jurídica. Assim, sugiro a esta prestigiada Fundação Darcy Ribeiro, considerando o rompimento das negociações, da declaração da FIFA, que nega seu pedido para a demolição, entre outros, a judicialização de todas as violações. Ainda que não se logre êxito, ouviremos a s declarações dos direitos das partes.

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