Regularização Fundiária das Favelas e a COVID-19

#odiadepois…

Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. Foto: Sergio Moraes/Reuters

Nos últimos dias, em função da pandemia gerada pelo vírus COVID-19, voltou-se a falar da situação sanitária precária das favelas; seja pela falta de equipamentos urbanísticos básicos, a exemplo do saneamento básico, seja pela precariedade das habitações onde vivem, muitas vezes, várias pessoas em um mesmo cômodo.

O discurso mudou e o foco voltou a ser a falta de um urbanismo nas favelas, cuja situação de habitação sub-humana é amenizada pelo codinome de “comunidades”. Porém, há muito já se sabe que um dos maiores locus de pessoas doentes por tuberculose no Rio, e no Brasil, se localiza em uma das maiores favelas da Cidade.

O COVID-19 redirecionou o discurso da suposta política habitacional, centrada quase que exclusivamente na titulação dominial das favelas, no pressuposto da “segurança” possessória.

Nos interessa aqui nos posicionar contra esse equívoco da política de “regularização fundiária urbana”, malversado pela Lei 13465 de 2017. Por ela, é possível o registro, no Registro de Imóveis, da propriedade da terra das ocupações irregulares, sejam elas favelas ou não, antes que as obras urbanísticas sejam efetivadas. Tudo é feito apenas com a apresentação do projeto urbanístico, e com o compromisso de que as obras serão realizadas no futuro!

Depois de dado o título, quem é que acredita que isto acontecerá?

Veja o que diz o §3º do art.36:

§3º As obras de implantação de infraestrutura essencial, de equipamentos comunitários e de melhoria habitacional, bem como sua manutenção, podem ser realizadas antes, durante ou após a conclusão da Reurb.

E quando se dá a “conclusão da Reurb”, mencionada no supracitado artigo 36?

Se dá com a expedição, pelo Município, do CRF (Certificado de Regularização Fundiária), certificado este que,para expedi-lo o Município terá que aprovar tão somente o projeto urbanístico, e no qual está programado o que será (ou não) realizado pelos interessados ou pelo poder público (no caso das ocupações de baixa renda, como as favelas).

É com este papel – o Certificado de Regularização Fundiária – que se registra a propriedade da área em nome dos interessados, independentemente da realização de obras essenciais de urbanização e habitabilidade.Ou seja, o papel certifica uma regularização que ainda não está regularizada, urbanisticamente, mas que garante os interesses privados de dominialidade.

Então, o que hoje se ouve como sendo o discurso político e social da situação das favelas – sua precariedade urbanística e habitacional – , não é a preocupação essencial da Lei 13465/2017 que, uma vez aplicada, só dificultará e encarecerá, no meu entender, a verdadeira regularização de interesse público das favelas: a regularização urbanística.

Abaixo, trechos da lei 13465/2017, para quem quiser conhecer e conferir

Art. 9º Ficam instituídas no território nacional normas gerais e procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana (Reurb), a qual abrange medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes.

Art. 11 – §1º Para fins da Reurb, os Municípios poderão dispensar as exigências relativas ao percentual e às dimensões de áreas destinadas ao uso público ou ao tamanho dos lotes regularizados, assim como a outros parâmetros urbanísticos e edilícios

Art. 12. A aprovação municipal da Reurb de que trata o art. 10 corresponde à aprovação urbanística do projeto de regularização fundiária, bem como à aprovação ambiental, se o Município tiver órgão ambiental capacitado.

Parágrafo único. O projeto de regularização fundiária deverá considerar as características da ocupação e da área ocupada para definir parâmetros urbanísticos e ambientais específicos, além de identificar os lotes, as vias de circulação e as áreas destinadas a uso público, quando for o caso.

Do Projeto de Regularização Fundiária

Art. 35. O projeto de regularização fundiária conterá, no mínimo:

I – levantamento planialtimétrico e cadastral, com georreferenciamento, subscrito por profissional competente, acompanhado de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) ou Registro de Responsabilidade Técnica (RRT), que demonstrará as unidades, as construções, o sistema viário, as áreas públicas, os acidentes geográficos e os demais elementos caracterizadores do núcleo a ser regularizado;

II – planta do perímetro do núcleo urbano informal com demonstração das matrículas ou transcrições atingidas, quando for possível;

III – estudo preliminar das desconformidades e da situação jurídica, urbanística e ambiental;

IV – projeto urbanístico;

Art. 36. O projeto urbanístico de regularização fundiária deverá conter, no mínimo, indicação:

I – das áreas ocupadas, do sistema viário e das unidades imobiliárias, existentes ou projetadas;

II – das unidades imobiliárias a serem regularizadas, suas características, área, confrontações, localização, nome do logradouro e número de sua designação cadastral, se houver;

III – quando for o caso, das quadras e suas subdivisões em lotes ou as frações ideais vinculadas à unidade regularizada;

IV – dos logradouros, espaços livres, áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, quando houver;

V – de eventuais áreas já usucapidas;

VI – das medidas de adequação para correção das desconformidades, quando necessárias;

VII – das medidas de adequação da mobilidade, acessibilidade, infraestrutura e relocação de edificações, quando necessárias;

VIII – das obras de infraestrutura essencial, quando necessárias;

IX – de outros requisitos que sejam definidos pelo Município.

§1º Para fins desta Lei, considera-se infraestrutura essencial os seguintes equipamentos:

I – sistema de abastecimento de água potável, coletivo ou individual;

II – sistema de coleta e tratamento do esgotamento sanitário, coletivo ou individual;

III – rede de energia elétrica domiciliar;

IV – soluções de drenagem, quando necessário; e

V – outros equipamentos a serem definidos pelos Municípios em função das necessidades locais e características regionais.

§2º A Reurb pode ser implementada por etapas, abrangendo o núcleo urbano informal de forma total ou parcial.

§3º As obras de implantação de infraestrutura essencial, de equipamentos comunitários e de melhoria habitacional, bem como sua manutenção, podem ser realizadas antes, durante ou após a conclusão da Reurb.

§4º O Município definirá os requisitos para elaboração do projeto de regularização, no que se refere aos desenhos, ao memorial descritivo e ao cronograma físico de obras e serviços a serem realizados, se for o caso.

Art. 37. Na Reurb-S, caberá ao poder público competente, diretamente ou por meio da administração pública indireta, implementar a infraestrutura essencial, os equipamentos comunitários e as melhorias habitacionais previstos nos projetos de regularização, assim como arcar com os ônus de sua manutenção.

Art. 41. A Certidão de Regularização Fundiária (CRF) é o ato administrativo de aprovação da regularização que deverá acompanhar o projeto aprovado e deverá conter, no mínimo:

I – o nome do núcleo urbano regularizado;

II – a localização;

III – a modalidade da regularização;

IV – as responsabilidades das obras e serviços constantes do cronograma;

V – a indicação numérica de cada unidade regularizada, quando houver;

VI – a listagem com nomes dos ocupantes que houverem adquirido a respectiva unidade, por título de legitimação fundiária ou mediante ato único de registro, bem como o estado civil, a profissão, o número de inscrição no cadastro das pessoas físicas do Ministério da Fazenda e do registro geral da cédula de identidade e a filiação.

Art. 42. O registro da CRF e do projeto de regularização fundiária aprovado será requerido diretamente ao oficial do cartório de registro de imóveis da situação do imóvel e será efetivado independentemente de determinação judicial ou do Ministério Público.

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3 Resultados

  1. Como fazer pra ter os documentoslegais e prometido pelo governo.

    • Sonia Rabello disse:

      Cara M.Aparecida. Não sei responder à sua pergunta, pois não conheço as circunstâncias.
      Abraço

  2. Maria Helena Teixeira Q.Dias disse:

    Dra.Sonia tenho pouco conhecimento s/a matéria mas tudo que venha do sr,Temer ou de seus “parceiros” atuais ou passados me provoca negação. Não confio nessa gente mas reconheço que já passou da hora das favelas serem urbanizadas e cuidadas como o são as habitações do asfalto. O problema atual do Covid veio ajudar a que isso se torne realidade. Mas um projeto que fala de uma Cidade inundada de favelas sem ouvir seus verdadeiros interessados não pode ser sério. Quem opinou por nós? Em troca do quê? Que técnicos foram ouvidos? Acho que vale a luta e no que puder ajudar, conte comigo. Abs

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