Rio: paisagem cultural sem gestão

Temos uma cidade declarada Paisagem Cultural Mundial. E daí? O que sabemos sobre o que este título nos garante quanto aos cuidados na preservação da paisagem da Cidade?

Sabemos pouco ou quase nada.  Até porque a UNESCO também não sabe.  Ela foi na “lábia” dos brasileiros e, contrariando as suas próprias recomendações, aprovou a chancela do título ao Rio, sem que o Governo Federal, proponente, apresentasse o Plano de Gestão da área chancelada, junto com a documentação da proposta.

Segundo as recomendações da UNESCO:

“108. Cada bem proposto para inscrição deverá ter um plano de gestão adequado, ou outro sistema de gestão documentado, que deverá especificar a forma como deve ser preservado o bem, de preferência por meios participativos.

109. A finalidade de um sistema de gestão é assegurar a proteção eficaz do bem proposto para inscrição, em benefício das gerações atuais e futuras.

110. Deve ser concebido um sistema de gestão eficaz em função do tipo, características e necessidades do bem proposto para inscrição e do seu contexto cultural e natural. Os sistemas de gestão podem variar conforme as diferentes perspectivas culturais, os recursos disponíveis e outros factores. Podem integrar práticas tradicionais, instrumentos de planeamento urbano ou regional em vigor, e outros mecanismos de controlo de planeamento, formal e informal.”

O Governo Federal ficou devendo à UNESCO o tal Plano de Gestão. Ficou de apresentá-lo até 2014.  Mas este é um prazo “suíço” – a UNESCO pensa que aqui é como na Suíça – supõe que no Rio nada mudará substancialmente até 2014.  Ledo engano.  Tudo no Rio tem sido voraz e a regra é não preservar.

Recebido o título, a Prefeitura do Rio sabe que tem até 2014 para comprometer e destruir tudo que for possível, em nome da Copa (2014), e das obras olímpicas.  Até porque quem é o responsável pelo Plano de Gestão junto à UNESCO é o governo federal (via IPHAN), sem qualquer responsabilidade da Prefeitura da Cidade, senão indiretamente.

A Prefeitura ainda pode dizer que fez a sua parte: trocou o nome do tradicional órgão de preservação cultural da Cidade para “Instituto Rio Patrimônio da Humanidade”. Uma retórica que satisfaz aos incautos; tudo aparência. É o que a “casa” oferece, e é só.

Veja a seguir o que está na pauta direta das destruições patrimoniais no Rio:

Constrói-se nas áreas de preservação ambiental e arqueológica da Ilha de Bom Jesus, destrói-se a Praça N.Sa. da Paz, enterra-se definitivamente o patrimônio arqueológico do Porto do Rio, constrói-se no Parque do Flamengo/Marina da Glória, destrói-se o complexo arquitetônico-cultural-desportivo do Maracanã, demole-se o prédio histórico do ex-museu do índio, deixa-se cair o Hospital S.Francisco de Assis, autorizando uma lâmina enorme ao seu lado influindo na sua visibilidade e segurança, empacha-se a visibilidade das montanhas do Rio com autorização de lâminas de 50 pavimentos na Região Portuária.

Veja também um pequeno relatório da situação dramática de alguns bens culturais do Rio no relatório da Comissão Especial de Patrimônio da CMRJ, que presidi em 2011. (Clique aqui)

Este texto é parcialmente fruto de minha participação no II Colóquio Íbero-Americano sobre Patrimônio Cultural, ocorrido em 19 a 21 de novembro em BH/MG, cujo tema foi Paisagem Cultural.

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4 Resultados

  1. Olá Sônia: edito a revista Vitas (www.uff.br/revistavitas) e estamos preparando um número sobre memória urbana. Gostaria de poder publicar este artigo seu sobre Paisagem Cultural, o Rio e o título da Unesco.Se possível, a versão completa do II Colóquio Ibero-Americano. Fico aguardando, ab., Selene Herculano

  2. Sonia,
    como sempre o buraco é mais embaixo.
    Tanto a UNESCO quanto o governo do estado do rio estiveram e estão mancomunados nessa jogada; junte-se-lhes a mídia carioca: nunca sabe de nada, e pouco se lhe dá saber ou não.
    Por algo semelhante, qual seja a invasão cultural e física de um país a um outro, os monges budistas do VietNan tragicamente se auto-incendiaram; para no fim dos tempos os invasores bárbaros saírem de lá corridos, espezinhados ao som do riso sério dos vencedores VietCong.
    Aqui não há quem se atreva a isso; aos grupos religiosos pouco se lhes importam sacrifícios que não sejam os da moeda nacional, trocada pela estrangeira com dez porcento de deságio a cada transação.
    Apenas uns poucos reclamam e gritam, mas as suas vozes são opacas. É que a maioria dos ouvidos da população sejam por si moucos.
    Lá de fora da Bahia da Guanabara, contam os viajantes, se pode ver o gigante adormecido
    que ainda é visto do mar, bem de perto do porto e da Praça Quinze.
    Pelo visto mais esse monumento natural e mesmo exótico, nosso representativo desde o tempo de Rugendas, quem o pintou no século XVIII, foi pro espaço.
    E pensam que essa seja a maneira de civilizar o nosso rincão, abandonado à incúria de governantes desde aquele tempo.
    A tragédia e a comédia se acercam cada vez mais carioca e vietnamente.
    E quem é que vai dizer que não haja também tiros de vários calibres aqui entre nós?
    O BOPE?
    Mata-se mais no trânsito que na Indochina! Agride-se mais na rua que em Hanoi.
    A quem pedir socorro?
    Quem souber, favor informar.

  3. Sonia, moro no Cosme Velho e participo da Associação Viva Cosme Velho, onde estamos, justamente, terminando de escrever uma carta à Unesco, focalizando a preservação da Floresta da Tijuca, da bacia do Rio Carioca e do seu entorno. As informações contidas em seu texto, além de jogar um balde de agua fria em nossa iniciativa, vem nos preocupar ainda mais. A impressão é que, como dizem os malandros, “está tudo dominado”. Que atitude, a seu ver, está ao nosso alcance e deve ser tomada?
    Um abraço e parabéns pela fibra e pela competência.
    RRocha

    • Sonia Rabello disse:

      Obrigada pelos comentários do Prof. Lobato, e do Renato. Renato, por favor não desanime. Escreva sim à UNESCO. Já fiz isto há uns anos atrás para Ouro Preto, e deu certo. Persistir sempre, e mostrar que esta não é a cidade com pensamento único: nós existimos! Abs. SR

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