Salvar o patrimônio da Humanidade: o drama do Parque Nacional da Serra da Capivara

O inigualável sítio arqueológico pré-histórico da Serra da Capivara, no Piauí, considerado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco desde 1991, está agonizando por falta de proteção e amparo institucional do Governo.  É isto que nos foi noticiado pelo jornal “O Globo” no último domingo, dia 24.  Quem são os responsáveis por esta perda irreparável ?

Neste caso, não há dúvida: a responsabilidade é das autoridades federais. O fato comprova que não é por falta de lei que o patrimônio público cultural degringola, mas por uma ação eficiente por parte de quem é dever prestá-la.  

O Parque Nacional da Serra da Capivara (PNSC) não tem grandes problemas institucionais como conflitos insuperáveis de terras, pois a maior parte de sua área é pública. Nem é por problema de falta de tutela, já que é um parque nacional e, como tal, faz parte do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC -, sujeito portanto à proteção da lei federal 9985/2000. Daí a sua vinculação ao órgão federal ICMBio (Instituto Chico Mendes)

Além desta proteção ambiental específica, o PNSC tem também a tutela da proteção cultural, por ser sítio arqueológico pré-histórico, protegido pela lei federal 3924/61, sob a responsabilidade do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).  É tão importante culturalmente que o Brasil aceitou a sua titulação de Patrimônio Cultural da Humanidade. Como então não cuidar dele?

Há ainda mais uma aspecto importante. Este sítio é cuidado há mais de três décadas por uma competente fundação privada – a FUNDHAM – Fundação Museu do Homem Americano, sob a responsabilidade da arqueóloga Niède Guidon, que sempre esteve à frente da preservação e proteção do sítio. Portanto, o problema não é encontrar um gestor ou uma parceria privada responsável; já se tem. Mas é evidente que para isso é preciso que se tenha, para sua manutenção permanente, recursos e investimentos públicos. 

Mais investimentos – O sítio precisa urgentemente de investimentos que viabilizem uma atividade turística responsável. E, enquanto não se incrementa o turismo sustentável, é necessário viabilizar recursos orçamentários para custeio da manutenção permanente. Isto é indescutível e não se pode contar, para isso, com recursos de captação da chamada Lei Rouanet!

A lei Rouanet, que confere recursos públicos derivados de renúncia fiscal de empresas privadas, tem limitações importantes para beneficiar ações necessárias na área da preservação do patrimônio cultural. E uma dessas limitações decorre do fato de que os recursos da lei Rouanet são destinados a projetos que tem começo, meio e fim. Portanto, não são recursos destinados ao custeio permanente, que é o caso de muitos sítios de interesse cultural, como se supõe ser a necessidade do Parque Nacional da Serra da Capivara.  

Outro aspecto é o fato de que são as empresas beneficiadas com esta renúncia fiscal federal que escolhem qual o projeto no qual irão investir. E os projetos escolhidos por elas são, de modo geral, projetos que têm maior visibilidade pública possível. E isso nem sempre coincide com as necessidades, prioridades ou urgências da política pública cultural federal na área da preservação do patrimônio cultural.

Desde 2004, quando estava na direção da área do Patrimônio Material e Fiscalização do IPHAN, este problema da proteção e preservação do sítio e do Parque Nacional da Serra da Capivara já se apresentava. Saí da Direção desta área do IPHAN um ano depois e, desde então, já se passaram 10 anos. Vemos que o problema não só permaneceu, como se acentuou.    

Se quisermos irmos além dos títulos de Patrimônio da Humanidade conferidos aqui e ali no Brasil impõe-se priorizar mais as ações efetivas e menos os discursos sem consequência.

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3 Resultados

  1. Parabéns Sonia, não adianta reconhecer que é o maior sucesso de gestão, que é o melhor exemplo de preservação nacional e internacional, atestado pelo IFRAO e não contribuir com a continuidade desta obra social, além da cientifica. Não adianta reclamar depois de perder o equilíbrio que ainda está mantido nesta área…FEDERALIZAÇÃO total ou parcial, parece ser um bom caminho, é preciso conversar com as responsáveis !

  2. Sonia Rabello disse:

    Cara Adriana. Primeiramente obrigada por instigar o debate. Gostaria, no entanto, de ressaltar que em momento algum do texto afirmei que discordo ou não apoio a Lei Rouanet. Pelo contrário: ela foi e é incrivelmente salutar e incentivadora de inúmeros PROJETOS na área da cultura, aí incluído, projetos na área do patrimônio material e imaterial. Porém, o próprio espírito da lei é de se voltar para projetos de iniciativas privadas, e não para custear obrigações permanentes do poder público. Portanto, no caso do Parque da Serra da Capivara, os custeios permanentes SÃO OBRIGAÇÕES ORÇAMENTÁRIAS do poder público, independentemente de eventuais projetos a serem apoiados, ou não, pela Lei Rouanet. Meu entendimento portanto é de que a Lei Rouanet é um plus, muito bem vindo. Mas, porque ela existe, o poder público não pode e não deve eximir-se de sua obrigação de investimentos e custeios permanentes em áreas que estão não só sob sua tutela, como também sob sua responsabilidade patrimonial. Parabéns pelo seu trabalho, pelo seu apoio, e conte também com o meu apoio para difundir o belo trabalho. Abraço, SR

  3. Prezada Sonia,

    Sou Adriana Rouanet, filha do autor da Lei Rouanet. Compreendo a sua frustração em relação às limitações da Lei Rouanet. Mas adianto que o mal não está na concepção da Lei (como foi conceitualizada) e sim em sua aplicação.

    Concordo que hoje em dia, a Lei é manipulada (pelo mercado) para fins de marketing das grandes empresas e que favorece sempre os eixos RJ-SP e produtores-artistas consagrados com suas empresas patrocinadoras também consagradas. Mas por isso mesmo, vale tentar resgatar o que há de bom na Lei…uma Lei que dá a opção também a PESSOAS FÍSICAS de investirem seus 6% em projetos culturais aprovados.

    Você menciona que a Lei Rouanet apoia apenas um projeto com um começo, meio e fim, mas isso não é verdade. No artigo 18, há uma rubrica para a “preservação do patrimônio cultural material e imaterial”, o que inclui patrimônio histórico. Portanto, a proteção e preservação do sítio arqueológico da Serra da Capivara, poderia sim ser enquadrado na lei como projeto de pedido de preservação e transformação do sítio enquanto “museu”.

    Uma vez aprovado, o projeto de “proteção do sítio”, poderia ser colocado em portais de financiamento coletivo, como o que estou lançando, o “viaRua”, que dá a opção de automatizar o investimento de 6% de impostos de pessoas físicas em projetos culturais aprovados pela lei EM TODO TERRITÓRIO NACIONAL, para promover o equilíbrio de projetos favorecidos em diversas regiões. Ou seja, para preservar esse grande patrimônio, não é preciso apenas depender de empresas privadas, nem do governo.

    O coletivo tem poderes às vezes superiores ao do governo e dos corporativos. Não adianta resmungar dos defeitos da Lei Rouanet. Mas sim, vale a pena tentar implementar o que há de mais democrático nela. Que o coletivo se mobilize e apoie o resgate da Serra usando a Lei Rouanet! E que seu blog sirva para puxar seus seguidores para essa bela causa! Meu voto você já tem, e coloco a nossa plataforma à disposição de quem quiser adotar este projeto e lançar essa campanha em nosso portal.

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