Arqueologia histórica e o Recôncavo da Guanabara

A arqueologia no Rio representa uma enorme riqueza de informações sobre a nossa identidade, mas com muito pouca divulgação. O que será que está acontecendo nas escavações na área Portuária e nas escavações do Metrô? O que está sendo descoberto e onde serão expostas as peças encontradas?

Na última semana, no Instituto do Patrimônio Histórico e Arqueológico do Rio de Janeiro (IPHARJ), no bairro de Anchieta, no Rio, realizou-se um interessante seminário sobre o tema. Das várias palestras, destaco a do professor Antonio Carlos Gomes que falou sobre o chamado “Recôncavo da Guanabara”.

Esta é a área de terra, parte da Baixada Fluminense, que fica entre a Baia da Guanabara e a Serra do Mar, cortada pelos rios Suruí, Iguassu, Guapimirim e Saracuí. Quase invisíveis de tão poluídos e assoreados.

Eis as minhas notas sobre a explanação do professor A.C.Gomes;

O “Recôncavo da Guanabara” está demarcado no mapa de Vieira Leão e é uma área ocupada por aldeamentos indígenas, especialmente da tribo Tupi. Esta ocupação primária nos é revelada pela existência de sambaquis*, sítios arqueológicos protegidos pela Lei federal 3924/1961. O aldeamento em Magé foi um dos mais significativos.

A área cortada por muitos rios favoreceu a entrada dos portugueses na região e a instalação dos engenhos para fabricação do açúcar e da aguardente. A partir daí foram montadas as freguesias segundo o modelo institucional português, tendo padres como seus administradores.

Já na segunda metade do século XVII, destacam-se as freguesias de São João de Meriti, de Marapicu,  de Iguassú (Tinguá), de Nossa Senhora do Pilar e de Guapimirim. Nesta última, sua igreja da Matriz Nossa Senhora da Ajuda data de 1697, hoje substituída. Cada freguesia tinha em média cerca de oito engenhos, com média de 60 escravos cada. É que a mão de obra indígena foi sendo substituída, aos poucos, pela africana. Os negros vieram trabalhar também nas olarias, que até hoje existem na região (Itaboraí).

No século XVIII já era grande a produção dos engenhos e o comércio é incrementado pela chegada de mercadorias favorecida por portos fluviais em seus rios. Os engenhos são significativos na ocupação na Baixada Fluminense nos séculos XVII ao XIX.

Patrimônio demolido – Contudo, estes marcos nesta rica região não são mais encontrados. Tudo foi demolido como se a Baixada Fluminense não tivesse história! Em cima do Engenho da Cachoeira, um dos maiores da região, construíram um clube em Mesquita. Estes engenhos foram descritos, um a um, em um trabalho histórico do Monsenhor Pizarro.*

Algumas freguesias viraram vilas, como a de Iguassú. Ali, no Recôncavo, as propriedades não se resumiam aos grandes engenhos. Havia também pequenas propriedades, inclusive de mulheres.

O século XIX é o século da tentativa do café. Não deu certo. E aí veio a laranja. Com a abolição, a mão- de- obra negra liberta agora vem de Minas, a troco de lenha e moradia para trabalhar também em olarias. Um trabalho semi escravo. Trazem o jongo e a Folia de Reis para a Baixada.

Olarias são construídas no modelo inglês, com as casas ao lado. Tiraram muito barro e lenha causando grande degradação ambiental. Com a devastação as olarias se deslocam para Itaboraí.

Importância na formação da identidade

A Baixada, apesar de sua história riquíssima, é hoje um território devastado culturalmente. Ficou o patrimônio imaterial, como a Folia de Reis. O material foi quase todo destruído: o Engenho da Posse foi demolido. Deu nome ao bairro da Posse em Nova Iguaçu. O Engenho do Brejo em ruínas e o Engenho da Cachoeira são exemplos deste desmando cultural. E o Engenho da Fazenda São Bernardino, patrimônio cultural federal, agoniza, talvez nos seus últimos dias, desafiando nossa impotência de cuidar de tão importante referência de identidade nacional.

Leis não faltam: nem de arqueologia, nem de patrimônio cultural, nem de preservação ambiental-cultural, nem de crimes contra este patrimônio, nem de improbidade administrativa. Também não falta dinheiro.

A Baixada Fluminense só recuperará sua autoestima quando compreender o quão importante foi na compreensão da formação de nossa identidade como fluminenses!

Ver estudo sobre Mons. Pizarro aqui.

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2 Resultados

  1. Sonia Rabello disse:

    Muito bom, Celeste!

  2. Nome*celeste disse:

    Ótimo trabalho de todos aqueles que lutam pelos patrimônios da BAIXADA FLUMINENSE, e fica aqui o lembrete que essa falta de história ou “memórias subterrâneas” , soterradas aos pouco na construção da cidade do RJ e na relação entre a ex-Guanabara e o Estado do Rio, também atinge toda a “baixada de Irajá”( limite do RJ com outros municípios), onde esse recôncavo colonial também pertencia. A primeira freguesia rural do RJ, sede na Igreja de Nossa Senhora da Apresentação do Irajá subsistiu, mas é esquecida , assim também a Igreja da Penha, ainda mais famosa, mas relegada várias vezes até como “paisagem” pela especulação imobiliária…. A cidade vitrine do brasil de desligou de seus arredores ao norte e de toda sua história regional!!!E quem ganhou com isso?

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