A licitação do Autódromo de Deodoro desafia decisão da Justiça Federal

A Prefeitura do Rio “baipassa” decisão da 1ª Vara Federal sobre proteção ambiental da Floresta de Camboatá, cuja derrubada depende a construção do pretenso “Autódromo Parque” de Deodoro, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, pelo fato dela não ter sido parte oficial naquele processo judicial.

Como isto aconteceu? Vejamos.

A Floresta do Camboatá, área ocupada pelo Exército, onde a prefeitura quer que seja construída uma pista com 5.835 metros de extensão Foto: Brenno Carvalho

A decisão judicial visa garantir que haja, no mínimo, um prévio Estudo de Impacto Ambiental – EIA-Rima, para que o projeto de implantação de um autódromo no coração da Floresta de Camboatá seja viabilizado. No bojo da decisão está contido a hipótese de que este EIA-Rima conclua que, pelo princípio da precaução que rege o direito ambiental, este estudo indique a inadequação da área para o projeto em função “da supressão de vegetação prevista com as normas legais de proteção, em especial as contidas na Lei da Mata Atlântica“. 

Por isso, o EIA- Rima deveria apontar “alternativas locacionais ao projeto“, conforme o pedido do Ministério Público estadual na petição inicial da Ação Civil Pública (ACP) que se iniciou nos idos de 2012.

Mas por que o Município ignora a decisão judicial que, por precaução, indica a necessidade de um estudo prévio ambiental da área?

Simples. Porque à época da propositura da ACP a ação foi proposta contra o Estado do Rio de Janeiro, e contra o INEA (Instituto Estadual do Ambiente), que eram as partes que iriam realizar o projeto, no bojo do Acordo para a realização da Olimpíada.  Era o Estado do Rio de Janeiro quem havia obtido do INEA a licença prévia para inicio da realização do projeto do Autódromo.  Vejam o que diz o MPE na inicial da ação:

A legitimidade passiva, por sua vez, é justificada pelo seguinte fato: o Estado do Rio de Janeiro será o responsável pela execução das obras e intervenções do novo Autódromo Internacional de Deodoro, ao passo que o Instituto Estadual do Meio Ambiente é o órgão responsável pelo licenciamento do dito empreendimento. Conforme ressaltado no capítulo dos fatos, foi celebrado Acordo de Cooperação Técnica entre a União, o Estado do Rio de Janeiro e a Autoridade Pública Olímpica para estabelecer as diretrizes para a execução dos projetos e das obras do Complexo Esportivo de Deodoro e do Novo Autódromo visando à realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016.  Consoante a cláusula segunda do referido Acordo, o Estado do Rio de Janeiro, enquanto participe, comprometeu-se a adotar as medidas necessárias à futura realização dos projetos e das obras do Complexo, notadamente em relação ao apoio institucional e técnico, a licitação contratação e execução dos projetos e das obras relacionadas com o Complexo Esportivo de Deodoro.  Assim, e considerando que o Estado somente poderá executar as intervenções na área objeto da demanda se estiver amparado por licença ambiental expedida pelo INEA, ambos são partes legítimas para figurar no pólo passivo da relação jurídica processual.” (grifos nossos)

Assim, o Município do Rio, à época, não integrou o processo judicial porque era o Estado do Rio de Janeiro quem, a princípio, iria se encarregar não só do Autódromo, mas de todo o Complexo Esportivo de Deodoro.

A situação da participação do Estado mudou antes mesmo da Olimpíada. E o Estado do Rio saiu das responsabilidades olímpicas assumidas, mas não do processo judicial.  E o Município assumiu o Complexo de Deodoro, inclusive o pretenso autódromo, mas não o processo judicial em tramitação sobre o assunto do Autódromo.

Inadequação da área – Como o Município do Rio de Janeiro sabia, pela imprensa e por seus órgãos de acompanhamento, que qualquer projeto na área da Floresta de Camboatá deveria ter o EIA-Rima, e que este estudo poderia resultar em concluir pela inadequação da área para o projeto, com indicação de outras alternativas, ele, dando uma de esperto, simplesmente resolveu lançar o projeto do autódromo – um projeto de parceria público-privada, afastando de si esta responsabilidade.

E como faz isto? Lança um edital de R$ 700 milhões, sem projeto executivo, apenas com diretrizes gerais, e sem projeto urbanístico, deixando para o vencedor a responsabilidade pelas licenças públicas e ambientais!

Ora, lançar um edital de licitação de uma área pública da União, que a Justiça Federal já reconheceu ser uma área de possível interesse ambiental de Mata Atlântica, sem um EIA-Rima feito pela Prefeitura para saber da viabilidade daquela localização para sua realização é, ao nosso ver, uma irresponsabilidade administrativa. Ou uma esperteza para empurrar a situação para um fato consumado.  Um “dane-se” para os cuidados judiciais expendidos na sentença da Justiça Federal.

Calamidade Ambiental

Em reportagem publicada pela Folha de São Paulo (23/5/2019) foi afirmado por perito do Jardim Botânico, que “com a construção do circuito, entre 150 mil e 180 mil árvores serão derrubadas…”. Trata-se, portanto, de uma potencial calamidade ambiental, não só para Zona Norte do Rio, mas para a cidade do Rio de Janeiro, e um escândalo brasileiro.

Agora, novamente, o Ministério Público Federal tenta, com uma nova Ação Civil Pública, suspender o andamento da licitação que foi iniciada, pelo Município, no dia 20 de maio de 2019 com a abertura do envelope da única candidata ao negócio do Autódromo.

Como o processo licitatório só termina com a licitação homologada, e depois do contrato assinado, o mínimo que se espera com a nova ação é que a Justiça Federal respeite as suas próprias decisões – não só na sua forma, mas também nos seus objetivos finalísticos – e atenda ao pedido de liminar solicitado pelo Ministério Público Federal. 

Assim, os cidadãos podem compreender melhor que as decisões da Justiça não são só para “inglês ver”, ou seja, as partes “fantasias”  de um processo, e que se impõem também aos contorcionistas dos governos e da administração pública, já tão pouco admirados pelos cidadãos.

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